quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Bifurcação

Gabriel tinha acabado de chegar ao ponto de ônibus. Ia do estágio para a faculdade. O ponto não estava tão cheio. Como ficou até mais tarde no estágio já tinha passado o horário de pico. Ele estava lá, com a cabeça vazia, divagando sobre tudo o que via e esperando o ônibus para que pudesse se ocupar com algo: ler um dos quatro livros que estavam na mala. Entre os quatro, três estavam lá por que ele deveria ler por conta da faculdade e o outro por prazer. E adivinhem qual Gabriel iria ler? O filho único do prazer. Iria. Não fosse Leonardo chegar.
Fazia muito tempo que não se viam. Eram colegas de escola. Geralmente quando Gabriel encontra alguém com quem sabe que não vai ter muito o que conversar ele finge que não vê, mas nesse caso era impossível. Leonardo estava logo ali atrás no ponto do coletivo. Começaram com aquela velha conversa de quem não se vê há tempos: “E aí? Como vai? O que anda fazendo?”. E justamente por essa conversa que Gabriel começou a refletir sobre o “destino”.
Logo no início do diálogo Gabriel já percebeu a forma leve com que Leonardo falava. Ele parecia estar dopado. Mas não estava. Reconheceria se estivesse. Aquilo, ele acreditou ser fruto do passado. O resultado do tempo em que não se conversaram.
A forma com que falava não foi a única referência de Gabriel para saber que Leonardo havia desviado do caminho. Enquanto ele estava prestes a terminar a faculdade de Publicidade e Propaganda e fazia um estágio promissor em uma grande agência, Leonardo havia parado a escola e atualmente estava fazendo um supletivo, mesmo que sua condição financeira fosse muito maior na época em que andavam juntos. Ainda no meio da conversa Leonardo revelou que estava tomando antidepressivos.
O pensamento de Gabriel se dividia entre continuar a conversar com o velho amigo e refletir sobre as causas, razões e conseqüências do caminho tão díspare. “Mas por quê?” pensava ele. Gabriel e Leonardo estudaram juntos no mesmo colégio. Faziam juntos as cagadas que piás daquela idade faziam. Dentre essas atividades a que mais se destacava na época era o oficio de pixar muros. Inclusive foi Leonardo quem deu o apelido que até hoje chamam Gabriel. Mas é claro que aquilo não se passava de coisa de moleque. Mas parece que enquanto para Gabriel a molecagem passou, para Leonardo evoluiu.
Com ar nostálgico, mas sem comentar, Gabriel lembrou de quando fumavam nos fundos da casa de Leonardo. Mesmo com a mãe dele em casa os dois iam ao fundo da residência, onde havia também uma piscina, e fumavam aquele cigarro no qual pagavam 1 real na carteira inteira. Gabriel ainda fuma alguns cigarros eventualmente, enquanto Leonardo fumou o último Malboro vermelho ao chegar no ponto. Seus dentes estavam claramente amarelados.
No ponto em que Gabriel vai descer os dois se cumprimentam. Gabriel olha para as mãos do velho companheiro e nota que seus dedos estão com as pontas totalmente amarelas. Só pensa uma coisa: “maconha”. Depois que desce continua pensando: “Por quê?”. E continua pensando até hoje.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Cara-Crachá

Usar crachá no trabalho é uma coisa deveras importante, principalmente se tiver seu nome. Sabe comé....às vezes tem só um número, aí você continua sendo “O famoso 0503088” invés de ser “O Gustavo”. E o que o nome significa? Significa que você tem uma identidade dentro da empresa e dá a impressão de que você não é um explorado mas sim uma pessoa importante. Imagine só o CEO (Chief Executive Officer – em português bem claro: o Pica Grossa) quando passa por você dá uma olhadela esperta no crachá e diz como se fosse seu amigo de infância: “Bom dia Gustavo” (ou “Gustavão” dependendo do humor dele). Você estufa o peito e vai trabalhar feliz da vida, chega em casa e diz: “Amor. O Seu Correia é meu amigo. Ele é um cara muito legal” (que nem no filme “Caixa Dois”). Viram só o quão importante é o crachá?
Acho inclusive que as pessoas deveriam andar com crachá pela rua. Aí invés de resmungarem no ônibus um “cença?” diriam “com licença Bárbara?”. Pra mim, por exemplo, seria uma mão na roda (que expressão engraçada né? Qual será sua origem?) por que esqueço freqüentemente o nome das pessoas (até o meu de vez em quando). Aí eu não teria mais o problema de cumprimentar as pessoas com um abraço apertado, virar as costas e ficar tentando lembrar o nome. O problema é que às vezes as pessoas insistem em mudar de cara, aí não adianta muita coisa.

Também seria legal por que ninguém iria te chamar por apelidos idiotas, do tipo “Cabeção”. Outras pessoas que gostam muito do apelido (tipo eu) poderiam colocá-lo invés do nome.
Onde trabalhava até sexta-feira eu não tinha um crachá com nome e foto. Como fiquei pouco tempo por lá não se deram ao trabalho de fazer um crachá pra mim. Assim trabalhei três meses com um crachá que tinha o nome de “Provisório”. E aí como as pessoas me chamavam? Provisório! Nome maneiro né? Isso sim é identidade. A minha identidade era tão forte, mas tão forte que eu tinha até um apelido. É TINHA SIM. “Provi”.

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Obs: Como me formei não poderia continuar trabalhando como estagiário. Sexta-feira deixei de ser o “Provisório” pra ser definitivamente um desempregado. Tem um emprego pra mim?

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Fenomenal

Estou extasiado. Excitado. Exagitado. Exaltado. E todos as palavras que tenha prefixo –Ex e sufixo –ado que tenham significados semelhantes aos dessas. Ainda não acredito. Só vou acreditar o dia que eu ver com os meus próprios olhos ele lá com a camisa 9 fazendo gol e comemorando com a fiel.
O Ronaldo é do Timão! O Ronaldo faz parte do bando de louco!
Isso é a realização do meu sonho de infância. Mas pra mim sempre foi um sonho muito, muito distante. Tipo daqueles que você sonha, mas sabe que é praticamente impossível.
Lá pelos idos de 97 eu era um fã incondicional do Ronaldo. Na época ele estava saindo do Barcelona e indo para a Inter e foi eleito o melhor jogador do mundo pela segunda vez. Nesse período eu tinha 10 anos de idade e vivia uma ronaldomania. Tudo que passava na TV sobre o Ronaldinho (ele não era Ronaldo na época por que não existia o Gaúcho) eu gravava. Todas as campanhas publicitárias que o Ronaldo participava, tipo campanha de vacinação ou anúncios de cerveja, eu ia até o posto de saúde ou até a distribuidora de bebidas pedir um cartaz pra mim, que pendurava na porta do meu quarto.
Depois do Ronaldo nunca fui tão fã de um dos grandes jogadores, tipo melhores do mundo, como o Kaká ou o Ronaldinho Gaúcho. Por ser fã do Ronaldo era inevitável que eu o imaginasse jogando no meu time. E isso era impossível. Mas e não é que o mundo dá voltas e o meu sonho de criança se realizou?
Tá certo...o Ronaldo de hoje não é o Ronaldo de 10 anos atrás. Mas um sonho de criança nunca morre.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Pesquisa fechada ou aberta?

Uma pesquisa divulgada recentemente tem rendido discussão na capital do Paraná. Diz a pesquisa que o Curitibano é o povo que menos faz sexo. E quer saber? Eu concordo plenamente.
A pesquisa explica muitas coisas com relação à população da cidade (e seus respectivos estereótipos). Por exemplo, dizem que o Curitibano é um povo “fechado”. Deveras, o Curitibano é fechado. Se fosse mais aberto faria mais sexo. Tá certo, boa parte das pessoas que moram em Curitiba não são curitibanos, o que me leva a crer que a galera que quer transar vai para outros lugares e o pessoal que prefere manter uma alimentação saudável fica aqui mesmo.
Aliás, foi feito um ranking de fatores que determinam a qualidade de vida em dez capitais brasileiras. Na opinião dos homens Curitibanos o que define qualidade de vida para eles é:
1º Manter uma alimentação saudável.
2º Tempo de convivência familiar.
3º Sexo.
Tá bom. E agora me diz. Do que adianta ter uma alimentação saudável e ficar sem COMER?
No caso das mulheres da capital o sexo aparece em oitava posição. OITAVA POSIÇÃO. Pelo amor de Deus. No que essa mulherada pensa? Quer saber no que elas pensam:
1º Manter uma alimentação saudável (digo a mesma coisa do que para os homens).
2º Tempo de convivência familiar (não vou entrar no mérito).
3º Qualidade do sono (qualquer ser humano sabe que quem transa dorme melhor)
4º Cuidar da saúde (sexo é a melhor demonstração de que se está saudável).
5º Trabalhar no que gosta (sem comentários).
6º Hobby (não tenho palavras e nem forças pra comentar).
7º Convivência social (Quer convivência social mais saudável do que transar?)
8º Sexo (finalmente).
Mas a grande verdade da pesquisa (e o que me faz concordar com ela):
A mulher Curitibana é a que menos diferencia o sexo de amor.
Isso é a mais pura verdade. Dia desses, num churrasco desses, numa conversa dessas um amigo desses comentou com a sua namorada que “o homem quando solteiro tem relações sexuais com qualquer uma” (não exatamente com essas palavras). A frase do rapazote levou a namorada a ficar de cara virada e brabinha até o final da noite. Eles estão juntos ainda (eu acho). O fato é que a moçoila não soube compreender que o homem QUANDO SOLTEIRO tem relações com qualquer pessoa do sexo oposto, mas no momento em que está em um relacionamento mais sério (como era o caso dos dois) isso não acontece.
Enfim....a moçoila ficou braba por que?
Porque ela é Curitibana e como todas as Curitibanas ela não sabe diferenciar sexo de amor e consequentemente não entende como o homem consegue fazer essa diferenciação.
Por essas e outras que concordo plenamente com a pesquisa. E afirmo novamente: as mulheres de Curitiba não sabem diferenciar sexo de amor e não fazem sexo sem envolvimento.
E desafio todas as mulheres que moram, nasceram ou já passaram por essa cidade a me provarem o contrário.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Paraíso

O mundo não tem mais jeito
Não adianta, não dá.
Secou o peito.
Desista. Venha pra cá.
Aí fora nada vai mudar.
Agradeça por conseguir respirar
Não adianta pedir para te respeitar
A água já não é mais límpida
Os animais já não são mais os mesmos
Se continuarem no sol irão virar torresmos
O nosso ar é muito mais leve
A nossa água é muito mais pura
Aqui a vida não é tão dura
Aqui há uma brisa refrescante
Venha para o novo Shopping “Paraíso de Dante”.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Olhar terminal

Poucas pessoas no ambiente. Ele aguardava. Enquanto isso corria os olhos pelas pessoas que ali estavam. Algumas ele já conhecia, pois as via todos os dias. Por isso, os olhos passavam rapidamente, só pra conferir se os mesmos eram mesmo os mesmos. Olhava como se estivesse conferindo produtos no mercado, atividade que desenvolveria dali algumas horas.
Os olhos correm. Eis que passa por alguém diferente. O olhar que até então passavam da esquerda para a direita ao ver o corpo estranho (que analisando melhor não era lá tão estranho) pausa e volta para a esquerda.
O fato de ser alguém diferente já era um bom motivo para que ele analisasse, especialmente por que se tratava de uma bela dama. Olhou o rosto. Olhou os pés. E foi subindo admirando o corpo até que a escalada de admiração chegasse ao rosto novamente. Chegando ao destino percebe que ela também o olhava.
Susto.
Susto, nervosismo e vergonha.
Não estava acostumado com pessoas estranhas naquele local, quiçá com mulheres, quiçá ² quando elas o olhavam. Ele, macho que é, tenta continuar olhando nos olhos. Eles mantêm a encarada por 30 segundos. Ele desvia, olha para o lado e quando retorna ela não o olhava mais.
O vínculo inicial estava quebrado. Ele dava algumas olhadas repentinas e ela também. Quando os olhares se cruzam um dos dois desvia.
Em determinado momento ele a olha pelo reflexo do vidro e parece que ela corresponde. Ele continua com o olhar fixo. Continua. Continua. Continuam.
Ele tenta olhar para ela diretamente. Ele olha, mas ela continua com o olhar direcionado para o vidro.
Depois disso continuam naquele olhar/desvio de antes. Eis que ela olha diretamente para ele e sem desviar levanta-se e vai em sua direção. Ele não acredita, desvia rapidamente e torna a olhar. Ela vem vindo, se aproxima. Ela dá uma breve pausa. Ele ouve um barulho, mas não dá atenção. Ela continua vindo em sua direção. Ao chegar a um metro de distância a porta se abre e ela desce.
- Maldito terminal do Campina do Siqueira.

domingo, 21 de setembro de 2008

Ironia e sinceridade

- Olá tudo bem? Meu nome é Jeferson e o seu?
- O meu nome é Amanda, mas pode me chamar de mandinha.
- Oi mandinha, prazer.
- O prazer é todo meu.
- Amanda, alguém já lhe falou que você é muito bonita?
- Já sim. Quase sempre falam isso.
- E alguém já falou que você é muito gostosa?
- Não. Ninguém nunca disse.
- Então eu vou dizer. Amanda, você é muito gostosa. Talvez a guria mais gostosa que eu já vi.
- Jeferson, você acha que isso não seria algo muito indelicado para falar a uma pessoa que você acabou de conhecer?
- Acho sim. Aliás, tenho certeza. Mas eu tô sendo sincero. Eu podia chegar pra você e dizer: “Sabia que você é muito bonita?” e aí você ia dizer: “Sabia sim, todo mundo fala isso pra mim”, mas na verdade você queria dizer “Você é só mais um seu babaca”. Mas eu não estaria falando o que realmente queria. E o que queria falar é isso que eu disse. E não há como você negar....o meu diálogo com você já foi mais longo do que se tivesse dito o que todos dizem.
- É...você tem razão.
- Viu. Já ganhei um ponto.
- Hey, não ganhou nada não. Eu não disse nada.
- Ganhei sim. Já ganhei a sua atenção.
- É você tem razão.
- Viu. Você já me deu razão duas vezes e uma outra vez que você omitiu.
- Omiti?
- Omitiu sim. Você não concordou quando eu disse que você era muito gostosa.
- É. Tem razão. Eu omiti.
- Ah, pare de enrolar. Assuma. Diga: “eu sei que eu sô gostosa”.
- Olha aqui menino. Eu até posso ser isso que você disse, mas não sou convencida.
- Mas isso não é ser convencida. É ser sincera.
- Quem é você pra falar de sinceridade?
- Eu sou a única pessoa que conversou com você e foi sincero nas primeiras frases que a direcionou.
- Sabe que você tem razão de novo.
- É. Eu sei. Mas agora diga. Diga assim: “eu sei que eu sou muito gostosa, mas você não viu nada ainda.”
- Não vou dizer isso. Pelo menos não agora.
- Ah então você pode dizer daqui há algumas cervejas.
- Posso sim.
- Então vamos tomar uma cerveja pra ver se consigo transar com você.
- Você é tão romântico.
- Está sendo irônica?
- Não. Você ainda não viu nada.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Hip-hop de luto



Na noite de hoje o hip-hop de Curitiba esteve reunido em peso. B. Boys, Dj’s, Graffiteiros, MC’s e simpatizantes enfrentaram mais uma noite fria pelo hip-hop. Mas infelizmente, a reunião não se devia a nenhuma festa. A reunião era para o velório do DJ Primo. Aquele que muitas vezes fez o hip-hop de Curitiba estampar um sorriso no rosto quando tocava seus beats, dessa vez deixou todos os amigos, conhecidos e simpatizantes com os olhos cheios de lágrima.
Dessa vez ninguém queria ir à pista onde ele estava, e procuravam ao máximo possível adiar a dor de ver que a alegria e a força do Primo vão estar em outro lugar. Magicamente, a alegria que carregava consigo pra todos os cantos virava uma música alegre. A mesma música tocada por outra pessoa não tinha a mesma vibração positiva. Ele mesmo dizia que “o que você ta sentindo dentro de você passa pela agulha e sai pela caixa de som”. Por essa razão, quando estava meio mal ele nem queria tocar.
Essa alegria que irradiava saiu de Curitiba pra tocar o mundo. Em 1997, com 17 anos de idade, o DJ Primo era o Alexandre Muzzillo Lopes, balconista da Spin. Quando o movimento tava baixo na loja ele sacava a pick-up debaixo do balcão e fazia os seus primeiros riscos. Da Spin ele passou para as pistas do Brasil inteiro, e do grupo Blackout passou a tocar com Marcelo D2, Lyrics Born, Hieroglyphics, Mamelo Soundsystem, Max B.O., Otto e até com o lendário Afrika Bambaataa.
Na madrugada dessa segunda-feira, tava assistindo filme quando sentiu umas dores no peito e resolveu ir ao hospital. Foi primeiro a um hospital e as dores continuaram. Foi para outro hospital, dando risada, como sempre, aguardou o atendimento por uma hora aproximadamente. Quando deitou na maca teve um ataque cardíaco. Foi reanimado e teve outro ataque, que o levou, junto com as suas 4 pick-ups pra tocar em um lugar melhor.
Ele era novo, 28 anos, mas por aqui fez tudo que quis. O que desejava sempre conquistou. Olhando uns recortes de jornal, encontrei uma matéria antiga de uma entrevista com o Primo e na última pergunta ele diz: “Fui por mim, era meu sonho ser DJ, ter toca-disco, e desde o momento em que tive isto na minha mão desfrutei ao máximo. A gente vai evoluindo até não poder mais tocar. O negócio não tem limite”. É isso aí Primo. Aqui você ultrapassou limites, agora o Bum Bap continua lá em cima.

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O show do Kamau na semana que vem, em que o Primo estaria, continua de pé. O show vai ser um tributo ao Primo.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Cagada Bichô! 3

A viagem de Márcio era uma boa oportunidade para a sua formação profissional, ou então, para aproveitar a ocasião e interagir com garoutas de outros cantos do Brasil. Ele ocupava um cargo importante na organização que representava e foi viajar para um evento em que estariam reunidos representantes de todas as organizações que trabalhavam em conjunto com a sua.
O congresso realmente foi bom, interessante, além de ter a oportunidade de compartilhar a experiência de muitas organizações que trabalhavam no mesmo foco.
Márcio conheceu pessoas legais, interessantes, bonitas e também conheceu Carla. Carla era uma menina simpática com quem passou a maior parte do tempo. Conversaram, se divertiram, ouviam música, foram à praia, tomaram caldo de cana e comeram, muito. Muito.
Pela noite Carla convidou Márcio para ir a uma festa. Ele chegou ao hotel em que estava, tomou um banho rapidão, colocou a sua cueca branca e saiu apressado, afinal, a festa, e Carla, o aguardavam.
Na festa Márcio conversou ainda mais com Carla e tomaram algumas biritas. Idéia vai, idéia vem, birita entra, verdade sai, e os dois começam a interagir de forma mais próxima. De conversa próxima, passaram ao contato direto entre as línguas. O lance rolava na boa, até que Márcio sentiu uma vontade sinistra de ir ao banheiro.
A vontade era de fazer aquele negócio mais demorado, mas ficou envergonhado em demorar muito e Carla perceber o que ele tinha ido fazer no WC. Mesmo sendo a opção slow, ele se esforçou para fazer o famoso barro veloz. O esforço nem foi tanto, a liquidez do seu objeto sólido colaborou para que fosse rápido. Na hora de limpar-se, constatou que não havia papel. Dada a sua pressa, não procurou muito e deixou as coisas como estavam mesmo.
Voltou rápido e nervoso para a companhia da garota, que o aguardava com um largo sorriso. Os beijos e amassos e ... rolavam à vera na festa. Rolaram tanto e tão bem que a história continuou no hotel.
Pela manhã Carla acordou e saiu cedo. Quatro horas depois, Márcio levantou exultante. Juntou a sua roupa e colocou na mala, mas sentiu falta de algo: a sua cueca. Mas, não se preocupou muito com isso, já estava atrasado para o Congresso e não iria perder tempo procurando uma cueca.
Saiu do hotel com um sorriso de orelha a orelha, olhava o mundo como se todos soubessem o quão boa foi a noite anterior. Ao chegar no local do Congresso encontrou Carla, que não demonstrava a mesma alegria. Olhando seriamente nos seus olhos, entregou-lhe uma sacola, dentro de outra sacola, dentro de outra sacola. As sacolas envolviam a sua cueca, branca e suja. Mais suja do que branca.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Cagada Bichô! 2

Quatro anos após a sua primeira ocorrência, Márcio era um daqueles jovenzinhos do reggae na faculdade. Estudava no segundo ano e morava há 7 quadras de onde estudava.
Certo dia estava sozinho em casa, saindo pra ir à aula. Mesmo atrasado, ele caminhava devagar e despreocupado.
Eis que quando chega na quinta quadra: Frio na espinha. Barriga cheia, carregada.
Era ela. A dor de barriga mal curada.
Resolve trancar o ânus e continuar andando. Mas pra onde? Ele está há apenas duas quadras da faculdade e cinco de casa. E aí? O que fazer? Continuar até a faculdade ou voltar pra casa? Resolve voltar pra casa. Sabe como é né? Mais cômodo e tal.
As quadras parecem ter sido alongadas. Caminha rapidamente, mas parece que não sai do lugar. Sua frio. Ele pode avistar o apartamento quando está há apenas uma quadra. Seus olhos brilham. Ao chegar, prefere a escada ao elevador.
Chega na porta. Parece que a chave resolve brincar de esconde-esconde dentro da sua mala. Com esforço, encontra a chave.
Vai abrir a porta e...tarde demais.
Márcio fica com as pernas, a calça, a meia e o tênis todos borrados. Toma banho e resolve não ir à aula.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Cagada bichô! 1

Márcio estava em um daqueles feriados totalmente sem grana, afinal, ele era só mais um jovenzinho de uns 15 anos que trabalhava na VASP - Vagabundos Anônimos Sustentados pelos Pais (não ouvia isso desde que estava no ensino médio, 1° ano presumo, mas esses dias ouvi isso de uma garota que supostamente está no ensino médio, e achei por bem reproduzir).
Mas, seu colega/vizinho/amigo Alexandre o chamou para ir à praia:
- Ô Marcião, vamo pra praia piá?
- Ah meu, to sem grana.
- Mas vamo aê. Você fica lá em casa, meu pai tá lá, tem comida e tudo. Você só gasta o que for tomar por fora.
- Vamo aê intão.
Faceiro, Márcio foi a Matinhos Beach. No dia em que chegaram o ânimo dos amigos era total. Saíram à noite e foram tomas umas biritas.
Na avenida, o calçadão estava cheio de barracas de capeta, e lá os dois rapazotes fizeram a festa, provando todos os capetas possíveis e virando no capeta.
Contando os passos, Márcio e Alexandre foram pra casa e deitaram imediatamente. Márcio levantou e resolveu ir ao banheiro.
Era um banheiro enorme, branco, reluzente, com os azulejos sem nenhuma sujeirinha, no meio da parede havia uma faixa dourada. Ele vai até a patente, a patente mais limpa que viu na vida. Abaixou a calça e sentou-se. Fez força para evacuar, fez força, força, muita força.
- Máááááááááááááááááááááááááááááááááárcio, você tá cagado!
Gritou Anderson, o tio de Alexandre que tinha acabado de chegar de viagem e pegou Márcio tendo um sonho in-SÓLIDO.
Envergonhado, no dia seguinte Márcio acordou às 8h e só voltou às 21h.
Desse dia em diante Márcio é convidado para todas as festas da família de Alexandre, e se há algum membro que ainda não conheça a história Márcio é obrigado a contá-la.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Tchau

Aquele foi o baseado mais triste que Paula, Gabriele, Anderson, Marcos e Zeca tinham fumado. Esforçavam-se para que as lágrimas não caíssem na erva. A cada puxada que batia na mente lembravam mais ainda de Renato. Pela primeira vez fumavam sem querer fazê-lo. Mas fumavam, sobretudo para atender ao último pedido de um grande amigo.
“Quando eu morrer eu não quero que meus amigos fiquem tristes. Quero ver meus amigos fumando maconha em volta do meu caixão”, assim Renato falava sorridente quando se referia à morte. E sorridente era sempre o simpático Renato.
Sempre de bom humor e atencioso com os amigos, Renato adorava ir a churrascos. Certo dia foi em um churrasco na casa do Anderson, onde estava toda a galera do bairro. Curtiu junto com os amigos por uns 40 minutos e resolveu ir embora, pois tinha que encontrar a namorada e já estava atrasado.
Na hora de ir embora levantou-se e disse em tom alto: “falou aí galera”. No caminho pensou mais nos amigos e resolveu voltar. Chegou no churrasco e falou: “Ah, vou dar tchau pra cada um de vocês. Vai nessa que eu morro, daí eu nunca mais vou ver nenhum de vocês.”
Renato saiu de lá, bateu o carro e morreu.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Quem será?

Quem será que foi o desafortunado (a) que se deu ao trabalho de dar um código para cada letra do alfabeto e ninguém usar essa fonte?

Obs.: Se o autor (a) estiver lendo: aí brother, lembrei de você viu!!!


TRADUÇÃO:
Quem será que foi o desafortunado (a) que se deu ao trabalho de dar um código para cada letra do alfabeto e ninguém usar essa fonte?


Obs.: Se o autor (a) estiver lendo: aí brother, lembrei de você viu!!!

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Onde nasce o futebol



Pensei que ia demorar pra achar, mas me enganei. Me perco até indo à lugares que conheço. Ir a um lugar onde mal sabia onde era o bairro, muito menos a rua, era a declaração de que iria rodar por muito tempo. Encontrei a rua e o local de forma meteórica. Me admirei e dei um largo sorriso ao encontrar o estádio Maurício Fruet.
Chego e fico parado, me adaptando ao local. Depois disso vou à caçada. Passo por uma porta de um local em construção. Pergunto à primeira pessoa que vejo: “Preciso encontrar o presidente do Vasco e do Santa Quitéria. Você sabe quem são?”. Ele me indica outra pessoa, que me indica outra pessoa. O terceiro indicado me fala: “tá vendo aquele lá com cara de bobo lá no bar? De jaqueta de couro? Então, ele é o presidente do Santa Quitéria”. “Aaaaaaaaah valeu”. Vou até o bar. “Você é o presidente do Santa Quitéria?”. Ele joga fora a coxa de frango que comia e limpa a boca. “Sou eu mesmo”. Conversamos e resolvemos nossas questões burocráticas. Primeira parte do serviço resolvida, o que me dá um alívio inicial.
Relaxo. Pego a câmera. Fotografo um pouco do ambiente: estádio, entrada, bar.
Sento na arquibancada. O clima ruim me preocupa um pouco. “E se chover? Como vou fotografar?”. Fico um tempo moscando. O clima muda e o sol começa a brilhar na minha cara, o que me incomoda. Resolvo ficar no bar.
Me dou conta de que devo falar com o presidente do Vasco também. Como o jogo dos Juniores já estava rolando vou conversar com o técnico, que me revela que o presidente não irá ao jogo. Resolvo os perrengues com ele mesmo.
Pronto. Agora é só fazer o trabalho que sei fazer muito bem (pelo menos eu acho que sei).
Mas enquanto isso o que faço? Não sei.
Olho pro balcão e vejo que tem uma Tribuna. Começo a ler o jornal. Leio algumas matérias até a minha leitura ser interrompida por alguém. A mão coloca um pequeno pedaço de papel sobre o jornal. Eu olho para o dono da mão que me diz: “Participa da rifa aí e pega aquela lá ó”. Ele me aponta uma camisa do Santa Quitéria. A camisa está esticada em um dos dois freezers de cerveja, segura por uma imagem de Santa Quitéria. Ele me diz que a rifa custa três reais. Penso que aquela seria a rifa mais cara que eu iria perder.
Nunca compro rifas pensando em ganhar. Nunca ganhei. Só compro pra ajudar quem vende mesmo.
Mas aquela eu fiquei com uma grande vontade de ganhar. Fiquei um tempo namorando a camiseta. Me imaginei usando-a na segunda-feira. Enquanto todos usariam a camiseta dos clubes vencedores na rodada do Brasileiro eu iria vestido diferente. Vestiria a camisa ali mesmo, mas não seria muito bom, pela atividade profissional que estava desenvolvendo.
Continuo a minha leitura, mas atento na rifa. Canso de ler o jornal e fico assistindo ao jogo dos guris. O resultado da rifa sai e....
.... não sou eu que ganho. Merda!
O jogo termina. Agora o trabalho vai começar de verdade. Fico atento com a câmera na mão à beira do campo. Vejo um cara apressado passar com a imagem de Santa Quitéria, aquela mesma que estava apoiando a camisa que eu não ganhei. Resolvo segui-lo.
A imagem me leva ao vestiário do clube. Tento empurrar a porta, mas muitos jogadores bloqueiam a entrada no pequeno espaço. Consigo entrar por uma brechinha da porta, e fico no meio do círculo onde todos estão abraçados, com a imagem no meio. Depois de mensagens pedindo raça, os jogadores rezam como um grito de guerra, com força, ritmo bem marcado e com os olhos fechados. Depois, todos saem empolgados para o jogo, mas sem antes pedir força novamente para Jesus e Santa Quitéria.
A ajuda pedida pelos jogadores funciona. O Santa Quitéria vence com um jogador a menos. E eu, com o mesmo prazer de quem vê o sol nascer presencio o futebol nascer no seu leito: o subúrbio.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

A corrida da resistência

Essa noite não consegui dormir direito. Não conseguia me mexer sem que alguma parte do meu corpo reclamasse. E pra piorar, não sei se era verdade, ou algum tipo de ilusão que a minha memória produziu, mas na hora que acordei ouvi lá fora: “Corre, corre, corre, corre”. A dor do meu corpo já tinha passado pra minha cabeça? Lembranças?
Por incrível que pareça, eu não estava sonhando com um jogo de futebol quando acordei com alguém anunciando “corre”, e o meu corpo não estava doido de tanto jogar bola.
A razão pela qual o corpo doía era de alguns cassetetes da Guarda Municipal que andaram deixando esse meu corpitcho roxo, e a palavra “corre” veio seguida de algumas bordoadas nas pernas.
Bem, melhor começar do começo né?
Sabadão rolou um luau maneiro ali no bosque do Saturno. Saca o Saturno? Pois bem, o Saturno é um conjunto habitacional que fica no bairro do São Braz. É um lugar bem suce. O bosque é um lugar cheio de árvore, como os bosques costumam ser. E eu fui até lá. Ia ter umas bandas de reggae tocando. O lance ia ser total maneiro. Reggae, fogueira, galera curtindo. Mas depois de 15 minutos que eu estava lá chegaram os homens da lei. Com lanternas na cara de todo mundo, gritando e botando a galera pra correr.
Nessa correria todos deixaram seus pertences pra trás, como mochilas, bicicletas, skates e afins.
Eu, o Guylherme Custódio, resolvi ir atrás de alguns pertences desse pessoal.
Quando estou quase entrando no bosque, o funcionário pago com o dinheiro do imposto que eu mesmo pago resolve me negar o direito de entrar em um local aberto:
- Você não pode entrar aqui?

-Por que não?
- Por que não.
- Mas o Bosque não é público?
- É sim. O bosque é público, mas também tem gente querendo dormir.
- Mas então se tem gente querendo dormir o Sr. não pode conversar educadamente?
Ele não me dá uma resposta verbal, mas física. Me dá com a ponta do cassete bem no peito seguido de um chute.
Tudo bem? Claro que não. Mas se soubesse que as coisas iriam piorar eu juraria que estava tudo bem.
Cinco minutos depois chegam mais duas viaturas, uma da Rotam e outra da Polícia Militar.
Aí os rapazotes da Guarda Municipal resolvem vir pra cima de mim, só por que agora estão acompanhados da sua turminha.
O moço de farda azul me pega pelos dread locks e me arrasta pelo cabelo por uns três metros, até a grade onde as outras pessoas que estavam no luau já estão encostados. Ele tira a arma e encosta na minha cabeça. Nesse momento fico morrendo de medo. Já pensou se por acidente aquela arma dispara na minha cabeça? Eu iria morrer somente por gostar de Luau, por ouvir reggae e por querer me divertir em um local público.
Felizmente, esse meu pensamento infeliz não se concretizou.
Mas aconteceram coisas que não foram nada boas.
O Guarda Municipal começou a me bater com o cassete na Panturilha e nas coxas, depois gritou na minha orelha: “Quero ver você se crescer agora seu bosta. Cresce. Creeesce. Seu bosta!”.
Fico quieto, tentando ao máximo apanhar sem demonstrar dor. Depois de muito me bater ele diz: “Agora corre. Corre. Eu quero ver você correr. Não para de correr”. Mesmo depois de ter levado várias bordoadas de cassetete na perna me esforço pra correr. Corro o máximo que posso. Até encontrar um grupo de pessoas, que como eu, não estava matando ninguém, não estava estuprando ninguém, não estava roubando ninguém e só queria se divertir, mas mesmo assim tiveram que fugir dos homens da lei, afinal, se divertir é contra a lei, pelo menos foi o que aprendi nesse sábado.
No momento em que encontro o grupo a polícia nos encontra. E pra variar. Quem é o perseguido da vez?
Eu. Um rapaz de sorte. Eu tenho tanta sorte, mas tanta sorte que eles nem me revistam. Só me batem. Me batem e depois dizem: “Eu já mandei você correr. Corre caralho”.
Chego no bar perto de casa. E adivinhe quem chega depois que eu? Ninguém mais ninguém menos do que os meus funcionários, aqueles pelos quais trabalho todo o mês para que me dêem segurança e ao invés disso me batem.
Felizmente, no bar eles não me encontram.
E aí fica por isso. O resultado parcial do que você e eu, cidadãos, pagamos pode ser visto abaixo.
A propósito: infelizmente não pude anotar o nome do meu empregado, para que eu desconte isso no final do mês. Mas anotei a placa do veículo. Será que adianta? Bem. Aí vai: ASA-4058.



quarta-feira, 9 de julho de 2008

Telemarketing 2

Apressado pra sair de casa, passo ao lado do telefone e ele toca (coincidência? Magia? Acho que não).
- Boa tarde. Eu poderia estar falando com o Sr. Guilherme (ela também não sabe que meu nome é com “Y”).
- É ele.
- Olá senhor Guilherme. Devido ao bom relacionamento que o Sr. tem com nosso banco estamos oferecendo uma nova promoção ao senhor. Qual é a sua profissão atualmente Sr. Guilherme?
- Estudante.
(Estudante é a única profissão do universo em que você paga pra trabalhar).
- O senhor tem alguma forma de renda, mesmo que não seja comprovada Sr. Guilherme?
- Não.
- Ókei, obrigada pela sua atenção Sr. Guilherme. Tum, Tum, Tum...

Telemarketing 1

O telefone me acorda às 10 horas da manhã em um belo dia de férias. Assustado e não muito bem humorado levanto da cama quentinha pra atender ao telefone:
- Bom dia eu poderia estar falando com o Sr. Guilherme?
(Ele não sabe que me meu nome é com “Y”).
- É ele.
- Bom dia Sr. Guilherme. Devido ao bom relacionamento que o Sr. tem com o nosso banco nós estamos oferecendo uma nova promoção ao Sr.......
Grande parêntese: (Detalhe importante: certo dia, sem pedir absolutamente nada, fui presenteado com um cartão do tal banco, da mesma forma que fui premiado com esta ligação. Como não solicitei absolutamente nada, nem mesmo desbloqueei o cartão. Mesmo assim o rapazote que tem no mínimo cinco anos a mais que eu e me chama de “Sr. Guilherme” insiste em dizer que eu tenho uma “boa relação” com o “nosso” banco).
- ...nós estamos oferecendo uma promoção ao senhor em que o senhor investe no nosso banco uma quantidade simbólica de 20 R$ pela duração de 60 meses. Com essa promoção de capitalização você recebe dois números de seis dígitos e concorre toda semana a sete sorteios de R$ 7.000,00. Se você for sorteado, o seu título será resgatado automaticamente, recebendo 100% da Provisão de Capitalização. Se até o final do título você estiver com o pagamento em dia você resgata tudo que pagou......
Ele fala sem respirar, para que eu não tenha tempo de pensar sobre o que ele está falando. De certa forma está dando certo. Mas estou pensando em como vou dizer “não” a ele.
-......Para confirmar a sua participação na nossa promoção eu preciso apenas confirmar alguns dados do Sr., Sr. Guilherme.
Penso que essa é a hora. Essa é a hora em que sou obrigado a acabar com os sonhos dele. Eu poderia dizer logo de inicio que não queria nada, e que não tenho relação alguma com o banco “dele”. Mas acho que seria muita indelicadeza, falta de educação e consideração. Com o coração na mão disparo:
- Desculpe-me, mas não tenho interesse em participar da promoção.
Ele me questiona:
- Mas por que não senhor Guilherme?
Eu tento fazer com que a história acabe por aqui, mas que não seja nada muito traumático:
- Nenhum motivo em particular!
Mas ele prefere a forma mais difícil:
- Mas porque senhor Guilherme? O senhor não gosta de ganhar dinheiro?
- Não! Não gosto não. Odeio ganhar dinheiro.
- Ókei, obrigada.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Pra que?

Acordei. Primeiro pensamento: Caralho! Segundo pensamento: Pra que beber? Mesmo ateu, penso: “meu Deus, porque faço isso?”. Por que me suicido a cada noite? Eu sei que vou passar mal então porque faço isso comigo? Será que gosto de sofrer? Que merda! Toca o telefone.
- E aí meu, vamu bebe?
Penso.
- Vamu aê intão.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Crianãça

Que criança linda!
Comentou com a colega de trabalho quando foram ao mercado. Ele, um cara de bom coração, que sem muito esforço se rende a uma criança. Afinal quem não se rende? Quem é que consegue segurar um sorriso, mesmo que de canto de boca, ao ver uma criança? Ou então quando vê aquela gargalhada gostosa?
Como é bom olhar as crianças.
Ah crianças!
Aquelas perninhas e braços rechonchudinhos. Aquela cabecinha com pouquíssimos e ralos cabelos. Quem não se encanta ao ver uma criança bocejar. Aquela bocona aberta e a mãozinha que sem coordenação começa pela testa e escorre até a boca, que quando chega lá o bocejo já terminou. Aquele narizinho pequenininho que não cabe nem o dedo minguinho, a não ser os das próprias crianças.
E o olhar então. Aquele olhar doce, com olhinhos de amêndoas, de quem olha e te diz “oi tiu”. A criança que estava no mercado teria o olhar assim. Teria. Se não fosse confundida com uma anã.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

O dia sem tormenta

Naquele dia tudo foi diferente. O vento parecia não uivar. Ninguém se reuniu em torno de um objetivo sério. A madrugada não foi varada. Como a muito não acontecia, a cerveja ditou o ritmo invés do café forte. A alegria que pensavam que nunca iria aparecer chegou. Aquele que sempre esteve por lá finalmente pode passar uma noite quente com a esposa. Naquela noite as estrelas puderam ser vistas. Os que passaram a noite acordados não tinham suas gargantas amarradas. Os pensamentos fluíram naturalmente. Não houve nenhum abalo sísmico em nenhum coração. Ninguém voltou a beber ou a fumar. Naquele dia a noite não foi interminável. Naquele dia, todo mundo continuou ateu. Assim foi o dia em que ninguém morreu.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Será o Geraldão?

Andando pela Kennedy paro no sinaleiro com a Alferes Poli. Sou o primeiro a parar ao lado esquerdo, mas logo para outro no lado direito. Olho e grito baixo: “é o Geraldão!”. Ah, aquele foi um dos melhores professores que já tive, tanto na questão profissional quanto pessoal. O cara é muito gente boa. Parceirasso.
Não sei por que, mas não falo nada. Olho pra ele e ele pra mim. Fico na dúvida se é mesmo o Geraldão, bate uma insegurança. Não falo nada esperando que ele me aborde. Dúvida.
Enquanto minha namorada me olha resolvo olhar pra ela também. O cara se curva para me olhar. Penso: “Meu, é o cara!”, mas não falo nada.
Ele está com os lábios curvados para dentro da boca, mordendo-os, o que dificulta na identificação.
Está de bigode. O Geraldo às vezes usava bigode, mas geralmente estava de “cara limpa”.
Continuo olhando, ele também. Ninguém fala nada. De repente:
- Não sou eu né?
- Não.
Gargalhamos. Os dois. Abriu o sinal e fomos embora, sorridentes, mesmo que as pessoas de trás já tivessem buzinado.
Não era o Geraldo, mas valeu a risada. Depois disso, minha namorada comenta: “ele não deve ser curitibano né?”, respondo “provavelmente não”. É, o Geraldo também não era.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Corpo na Neblina

Seu Ademir tava animado pro trabalho. Saiu cedinho aquele dia, como todos os dias. Apesar do frio não teve vontade de ficar mais tempo na cama. Às 5 horas abriu a porta, fez o sinal da cruz e saiu confiante, mesmo sem ver um palmo a sua frente. Ademir não sabia, mas dali 5 minutos iria fazer o sinal da cruz novamente.
O caminho de seu Ademir era sempre o mesmo. Devido à neblina intensa foi andando um pouco devagar, pensativo. O pensamento foi interrompido pelo barulho do ônibus, que deveria pegar. Começou a correr em direção ao ponto, mas logo no início da corrida tropeçou em algo. Caiu e olhou o que era. Uma pessoa deitada. Olhou melhor e viu um rombo no peito daquele em quem havia tropeçado. Assustou-se, fez o sinal da cruz, levantou e continuou correndo, agora com dois objetivos: pegar o ônibus e fugir do corpo.
Depois de seu Ademir, dona Alzira passou pela esquina também. Viu que tinha alguém ali. “Uma neblina dessas e esses mininu dormindo na rua. Essis drogado num tem jeitu mesmo”, pensou Alzira.
O terceiro a passar por lá foi o tristonho Fábio. Olhando pro chão, quando viu já estava em cima do corpo. Ficou cerca de um minuto refletindo a cerca do corpo. Desviou e continuou o seu caminho.
A neblina ia baixando, e cada vez mais pessoas observavam o corpo. Alguns passavam sem parar, os curiosos nem foram trabalhar só pra ficar olhando. Com o tempo foi se formando um aglomerado de curiosos. Quando tinham cerca de cinco pessoas em volta chegou alguém dizendo: “É o Gabriel!”. Todos da roda olharam para Edson, que continuou: “É o Gabriel, o filho da dona Vicentina”.
Gabriel era um menino exemplar, que dava orgulho pra dona Vicentina. Estudante e trabalhador sempre saia cedo e chegava tarde. Dedicado. Não faria mal a ninguém. Por que era ele o corpo?
Quanto mais pessoas mais dúvidas e afirmações surgiam. “Será que ele tava enrolado?”, “Tava na cara que era drogado!”, “Tava devendo?”, “Não podia ser tão bonzinho assim.”.
Dona Maria trouxe o lençol branco, que no meio ficou manchado de vermelho. A mãe estava trabalhando e só ficou sabendo pela noite. Ninguém quis ligar para dar a má notícia.
Quase meio-dia o IML chegou. O sol já tinha secado o sangue. A neblina tinha ido embora. Quando o rabecão levou o corpo ficou um pedaço de papel na grama:
“Desculpe. Matamos o cara errado”.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Ô dores

Ele não simplesmente lavava as mãos. Ele realmente dava um banho nas mãos antes de ir pra casa. Marcos fazia um ritual de higienização das mãos para que Elisa não percebesse que ele tinha fumado. Mesmo assim não adiantava nada.
Quando botava o pé pra dentro de casa Elisa já gritava: “andou fumando hoje né Marcos!”. Ele ficava abismado com aquilo. Ela sentia todos os seus cheiros, por mais que ele se esforçasse para eliminar todos eles.
Em alguns casos, mesmo quando ele estava longe ela gritava: “Eu sabia, é só você sair com o Diego que você fuma maconha!”. Isso deixava Marcos boladão em dois sentido. Um deles era como Elisa conseguia distinguir o cheiro do perfume fino de Diego e o cheiro da erva, igualmente fina. A outra coisa que o deixava boladão era como ela sabia que o perfume era do Diego. Estaria Elisa traindo Marcos com o seu melhor amigo? Por mais que ficasse com a pulga atrás da orelha não dizia nada, afinal, era ele quem fumava do verdinho mesmo sabendo que ela odiava. Até que se provasse o contrário o culpado era ele.
Com relação ao cigarro o ritual era diário. Ele achava que ela já nem sentia nada e só falava aquilo pelo fato de já ser rotina. Um dia, de sacanagem, se segurou para não fumar só pra ver se ela iria falar. Quando chegou em casa ela começou: “Amor...”, ele já se sentia vitorioso quando ela continuou: “que bom que você não fumou hoje!”. E Marcos mais uma vez deu com os burros n’água.
Em uma noite resolveu sair com os amigos. Entre bebidas, o lugar abafado, fedor de cigarro e odores de muitas pessoas Marcos tinha a certeza de que sairia ileso. Mas ao chegar em casa a mulher logo disse:
“Iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiih amor, o peixe que você comeu estava estragado!”.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

A hora

Muitos foram pro buraco por sua causa.
Não fosse ele todos iriam apodrecer frente à família.
O braço forte de tanto carregar caixão.
Calo na mão como todo trabalhador.
Já era acostumado à dor.
Calado como todos que passavam pelo ambiente de trabalho.
A solidão natural por trabalhar com sólidos.
Terra, pá, concreto e sentimentos eram os seus principais instrumentos.
O resto era tudo decomposto,os instrumentos estavam sempre expostos.
Quando dizia a profissão qualquer pessoa ficava pasma.
Várias vezes confundido com fantasma.
Trabalho à noite era sempre parado.
Correr atrás de ladrão já estava cansado.
Tinha que botar pra fora jovens que faziam ritual e até parar sexo de casal.
Familiares e amigos também já viu partir.
Protagonista no momento em que ninguém desejava.
Quando chegou a sua vez, nada de lápide, homenagem ou flores.
Pra sentir as dores, só mulher, filho e o amigo pedreiro.
Assim foi a morte de Antônio Coveiro.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Dúvida conhecida

- Não conheço você de algum lugar?
Ela sabia que era uma pergunta idiota. É uma daquelas cantadas que entra no ranking das piores cantadas já inventadas. Mas não era uma cantada.
Era só uma pergunta. Uma simples e inocente pergunta.
Ela podia ser mal interpretada, também sabia disso. Mas não era só uma pergunta, nem só uma cantada, era um impulso.
Depois de 15 minutos olhando para ele, que estava ao seu lado no ponto de ônibus, parecia que ele o chamava a perguntar. Pensou incessantemente de onde o conhecia. Momentos pensava que o conhecia da infância. Momentos pensava que o conhecia há pouco. Mas sabia que conhecia. Vida passada talvez.
Cada característica que olhava parecia remeter a alguém que conhecia, alguém que gostava, alguém que talvez amasse.
Aquele olhar ela conhecia. A boca ela conhecia. As mãos ela conhecia. O jeito de balançar a cabeça ouvindo walkman ela conhecia. O cabelo ela conhecia. A cicatriz no canto da testa ela conhecia. Conhecia tudo. Mas não sabia de onde. Sabia que o conhecia em partes, mas não por completo.
Pensou perguntar antes, mas ficou com vergonha. Tinha certeza de que não podia perder a chance de perguntar.
O seu ônibus chegou. Tinha que ser agora.
Ela foi até ele com passos rápidos. A concentração de quem ouvia legião urbana (e ela sabia que era legião, só pela leitura labial), fez com que ele se assustasse e se irritasse quando ela o tocou. Mesmo assim, mostrou-se solicito, com olhar apreensivo e atencioso. O olhar deu a certeza a ela de que o conhecia, e mais segurança quando ela fez a pergunta, que ele honestamente respondeu:
- Não!

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Ô tristeza

São poucas as coisas no mundo do futebol que podem me deixar triste. Afinal, torço para dois clubes, que são os melhores do mundo, ou melhor, do Brasil (que é maior que o mundo). O fato de torcer para dois clubes me traz a garantia de que se um perder ao menos o outro me dará a alegria da vitória. Mas há sim uma coisa que me deixa triste, futebolísticamente falando.
Nesses muitos anos que “acompanho” o futebol paranaense vi muitos jogadores incríveis sendo revelados pelos times daqui, ou então vieram para cá acabados e brilharam vestindo as camisas do Atlético, o furacão, do Coxa, o glorioso, e do Paraná, o Paraná (piada do Fábio Silvestre).
Eis o que me deixa triste: a ida destes craques ao futebol do eixo Rio-São Paulo (mais de São Paulo do que para o Rio). É deprimente ver times que não conseguem revelar jogadores e apenas estendem seus tentáculos para puxar ao máximo jogadores do nosso estado. É muito grande a minha tristeza em ver que muitos dos jogadores dos “grandes clubes” estão jogando muita bola e deveriam estar brilhando aqui, no nosso campeonato paranaense, que sequer aparece no noticiário nacional.
Os exemplos são diversos. Um caso símbolo é do lendário Adriano Gabiru, que fez o gol do título mundial pelo Inter em 2006 em cima do poderoso Barcelona. Um parêntese: o Inter não se trata de um dos clubes-tentáculo a que me refiro, mas sim um clube prejudicado tal qual os times do PR. Não há nem comentários ao caso de Alexandre Pato.
Adriano, ao lado de Kleber (sim, é Kleber, não “Kleber Pereira”) formava uma bela dupla de ataque no Furacão. Pelo Atlético, Adriano conquistou três títulos estaduais (2000, 2001 e 2002) e o título mais importante do Clube, o Brasileiro de 2001.
Mas e o Kleber, o que anda fazendo? Bem, o Kleber, está no Santos, onde é chamado de Kleber Pereira, e é um dos responsáveis pelo peixe ter saído da zona de rebaixamento e chegar próximo à zona de classificação do campeonato paulista. Kleber é o artilheiro do campeonato, com 13 gols. Importante lembrar que em 2001 ele foi artilheiro do paranaense.
O número de jogadores revelados pelos clubes paranaenses e que hoje dão alegria para os times do eixo são muitos, e provavelmente eu esqueça ou desconheça alguns. Em resumo:
Pelo Palmeiras: Henrique e o artilheiro do clube Alex Mineiro (Coritiba e Atlético, respectivamente).
Pelo Santos: Kleber “Pereira”. (Atlético).
Pelo Corinthians: Finazzi e Lima. (Atlético).
Pelo Fluminense: o coração valente Washington, que pelo Atlético teve sérios problemas de saúde e depois se tornou o maior artilheiro da história do campeonato brasileiro.
Pelo Botafogo: Alessandro (Atlético) e Lúcio Flávio (Paraná e Coritiba).
Pelo Flamengo: Kléberson (Atlético).
Mas o desgraçado que mais se beneficia das revelações paranaenses é o São Paulo (tenho um ódio natural pelo São Paulo), que tem em seu elenco o ex-coxa, Miranda, e o trio de atacantes Dagoberto, Aloísio e a “nova” sensação Borges (os dois primeiros do Atlético e o último do Paraná).
E o pior: se os jogadores “decepcionam” nos clubes do eixo, eles retornam para os clubes daqui, onde emplacam de novo e voltam ao eixo ou ao exterior.
E pior ainda: O campeonato paulista é considerado (ou ao menos colocado) como o melhor e o mais competitivo campeonato, mas o que seria desse se não fosse os nossos jogadores?

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Segunda-feira

A luz acende e a penumbra se esconde. Um vulto se aproxima e põe uma caneca ao lado da cama. Demora pouco e me acostumo à luz. Ouço as mulheres comentando, “que horas ele chegou?”, “umas duas horas”, “xiiiiiiiiiii” a voz exclama e se aproxima. Com um tom opressor me pergunta: “Por que deixou o carro de ré? Por que bateu e deixou pra trás pra não aparecer né?”. Tento responder, percebo que a minha voz está enrolada e a boca completamente seca. Com certo esforço consigo responder: “claro que não jacu! Por que a parte traseira é mais alta que a parte da frente. Assim não amassa as flores”. Nossa, que vontade de tomar água, ou um refrigerante. Parece que ela ouve o meu pensamento e me provoca: “tome café”. Tentando manter a farsa de que não estou com ressaca (não que eu estivesse), sou obrigado a tomar o café. Só consigo encostar na boca e aquilo queima feito lava. “Ih, só deu uma bicadinha”, ela diz e sai.
Fico mais um tempo na cama. Sob a desculpa de que vou lavar o rosto vou ao banheiro e consigo tomar água, o que possibilita que eu tome o café. Demoro a conseguir levantar. Termino o café quando já está frio.
Tomo banho e saio de casa, atrasado de novo. Mas a culpa não é da cerveja, me atraso quase todos os dias. Já que vou me atrasar de qualquer forma é melhor beber. A duas quadras cruzo meu amigo, meu parceiro de atraso. Dou uma carona e mudo de caminho, mas na prática não muda nada. Na nossa conversa fazemos o balanço do final de semana e o planejamento do próximo. No balanço percebo que não sou tão louco quanto pensava minutos atrás. Depois que ele vai embora fico pensando no planejamento, mas antes dos dois dias de descanso e curtição têm no meio cinco dias de trabalho, cansaço e compromissos.
Honestamente ainda me sinto no final de semana. Não estou pronto para uma paulada de cinco horas de trabalho, assim repentinamente. Acho que o trabalho não devia ser assim, devia ser de forma gradual. Começava com uma hora na segunda-feira, duas horas na terça e assim até as cinco horas de sexta.
Depois de alguns pensamentos chego ao trabalho. Subo e dou “hoje não” no companheiro de trabalho. Depois de bater comprimento ele e os outros amigos. Vou pro meu núcleo. Deixo minha mala. Sento no computador.
Agora sim. Agora é segunda-feira. Agora começou a semana.

domingo, 30 de março de 2008

Curitiba dos horrores

Largo da desordem
Jardim do pânico
Centro Histérico
Santa infelicidade
Jardim banal
Campo sofrido
Vila das dores

Curitiba dos horrores

sexta-feira, 28 de março de 2008

Vogais Curitibanas

“Ah, Curitiba”, reclamam os usuários de ônibus de Curitiba.
“Eh....Curitiba”, comentam os sem assunto falando sobre o clima com estranhos.
“Iiiih. Curitiba”, observam os motoristas em horário de pico.
“Oh, Curitiba”, admiram os poetas não-valorizados.
“Uuuh, Curitiba”, gemem os fanfarrões que vagam a cidade em busca de sexo pago.

OBS: Divagação sugerida por Ana Cristiny Tigrinho, em homenagem aos 315 anos de Curitiba.

terça-feira, 25 de março de 2008

Pai

Pai preciso que você volte. Você prometeu que iria voltar. Você não sabe o que estão fazendo com a terra. Você não sabe o que estão fazendo com a carne. Pai, você é a única salvação. Já não agüento mais viver em meio a este caos. Os seres humanos só querem comer uns aos outros. Pai, neste lugar não há ordem. Este lugar é um desrespeito ao seu nome e a sua imagem. Só quando você voltar a ordem será restabelecida. Sabe pai, na hora em que a profecia se cumprir todos irão olhar pra você e deixar de fazer tudo o que estão fazendo.
Volta logo pai.
Esses loucos estão quebrando a casa inteira nesse churrasco que o Éder deu só por que você foi viajar.

domingo, 23 de março de 2008

Fofoca pós-moderna

Às vezes quando converso assuntos que geralmente não converso comigo me frago (sic) pensando coisas que nunca tinha pensado antes. Em alguns casos falo coisas que nunca pensei.
Foi o que me aconteceu nesta sexta-feira santa. Na verdade, acho que todas as sextas-feiras são santas. Um dia iluminado, em que todos cumprem seu compromisso com leveza, pensando que essa semana acabou e bebem pelos mais diversos motivos não pode ser considerado um dia comum. Bem, depois de muitas divagações conjuntas sobre a sexta-feira santa, carne, esquilos e piadas, eis que chegamos ao assunto BBB.
Desde o primeiro BBB eu achava que tinha lido tudo de mal que poderiam dizer do tal programa. Aí nas edições seguintes não li mais nada, por que as críticas passadas continuaram valendo.
Em meio à discussão disparo e depois penso: “O BBB é a fofoca pós-moderna”. Depois disso pensei: “Cara, é verdade”. Antigamente as pessoas, as vizinhas em especial, passavam horas fofocando em cima do muro sobre toda a vizinhança. Isso era muito comum. Todas as vizinhas se conheciam, e as horas vagas eram dedicadas à arte da fofoca. Em alguns casos as vizinhas tinham vergonha de ir até a casa da outra só pra fofocar. Assim, com hora marcada, as duas fingiam lavar a calçada (que já estava limpa) só pra poder puxar conversa.
Mas hoje isso não existe mais. Você não conhece mais a sua vizinha. Você só se relaciona com pessoas do seu grupo. Você tem medo de sair da sua casa em contato direto com o mundo. Você só sai de casa dentro do seu carro filmado. Você faz compras, depósitos, conversa e transa pela internet. Você mal olha na cara de sua vizinha, pois quando você cruza com ela no elevador você não fala nada e só olha para o chão, ou para o teto. A única praça que você conhece é a praça de alimentação do shopping.
A sua fofoca é elitizada. Como todas as suas relações você só vê o mundo por meio da televisão. Enquanto seu vizinho esfaqueia a sua mulher você assiste televisão, e por meio da TV você acompanha a vida de pessoas que você nem conhece. Mas agora conhece. Eles são todos os seus brothers. E vamos dar aquela espiadinha na casa mais famosa do Brasil.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Rotina

Rotina que amedronta
Hábito que assombra
O medo de viver à sombra de si mesmo

Viver sempre a sombra de ontem
Na escuridão do amanhã

Olhar pra frente e poder enxergar
Aquilo que não queria
Ter que saber infelizmente
Como será o próximo dia

sábado, 15 de março de 2008

Objetividade

Cristiano ficava ainda mais nervoso ao ver que o tempo passava e ele continuava intacto. Enquanto todos os seus amigos já estavam com as suas cocotinhas dançando música lenta, ele continua sentado. Ele se auto-condenada, “eu sempre sou assim. Eu vou morrer virgem. Eu não consigo ao menos dançar com uma menina”.
Enquanto o salão se movimentava a sua frente, ele continuava com seu whiski na mão. Olhava a sua volta e não via ninguém, nenhuma garota disponível e nenhum outro amigo, fracassado como ele.
Enquanto bebia vagarosamente a sua birita resolveu olhar fixamente para os seus amigos que dançavam. Ele agora torcia profundamente para que nenhum deles conseguisse beijar as meninas. Olhava, olhava e sua torcida dava certo. Alguns dançavam com os rostos virados para as garotas. Outros tentavam agarrá-las claramente, mas quando as meninas viravam o rosto, Cristiano soltava uma breve risada. A alegria parecia ser semelhante a que sentiria se tivesse beijado uma menina, mas essa não era sua realidade.
Eis que surge uma menina saindo do banheiro. Foi quase um milagre Alessandra ter saído do banheiro quando ele pensava que não havia mais nenhuma menina para ele dançar. Eles nunca tinham conversado antes, mas tinham vários amigos em comum. Ele pensou “é agora”. Se levantou e.... ficou parado no mesmo lugar. Pensou, pensou, pensou e permaneceu intacto. Ficou refletindo, seria uma boa idéia tentar ficar com Alessandra?
Pensava que os seus amigos iriam o aclamar, afinal foi o único a ficar com alguém na noite. Mas pensava também que os seus amigos iriam o zoar muito, afinal, Alessandra era um pouquinho feinha.
Cristiano refletiu profundamente, pesou as possibilidades e se decidiu. Iria tentar.
Ele foi em direção a ela. Ela o viu, mas olhou para o outro lado. Ele imaginou que aquilo já se configurava como uma derrota. Passou por ela e foi ao banheiro.
Chegando ao toalete ficou olhando fixamente os seus olhos no espelho. Estufou e peito e conversou com sigo: “Você vai fracassar mais uma vez Cristiano? Você é ou não é home rapa? Você vai ficar mais uma festa carregando esse seu fardo da virgindade? Não vai fazer nada para tentar mudar o seu destino? Vai ficar aí esperando o que? Que ela venha até você?”.
Quando saiu do banheiro estava decidido a enfrentar a sua timidez e sua virgindade tardia. Estufou o peito como um guerreiro disposto a defender sua nação. Cruzou o salão com o pensamento fixo. Repetia mentalmente o que diria para Alessandra. Ela viu a sua movimentação e percebeu que ele estava decidido daquilo. Ela encheu-se de alegria, mas não demonstrou. O guerreiro seguia até ela com a disposição e o sangue nos olhos de quem vê um inimigo agonizando no chão. Chegou até ela e disse:
- Me concede essa transa?

Se foder

Presente do Indicativo
Eu me fodo
Tu se fodes
Ele se fode
Nós nos fodemos
Vós vos fodeis
Eles se fodem

Imperfeito do Indicativo
Eu me fodia
Tu se fodias
Ele se fodia
Nós nos fodíamos
Vós vos fodíeis
Eles se fodiam

Perfeito do Indicativo
Eu me fodi
Tu se fodeste
Ele se fodeu
Nós nos fodemos
Vós vos fodestes
Eles se foderam

Mais-que-perfeito do Indicativo
Eu me fodera
Tu se foderas
Ele se fodera
Nós nos foderâmos
Vós vos fodêreis
Eles se foderam

Futuro do Pretérito do Indicativo
Eu me foderia
Tu se foderias
Ele se foderia
Nós nos foderíamos
Vós vos foderíeis
Eles se foderiam

Futuro do Presente do Indicativo
Eu me foderei
Tu te foderás
Ele se foderá
Nós nos foderemos
Vós vos fodereis
Eles se foderão

Presente do Subjuntivo
Que eu me foda
Que tu te fodas
Que ele se foda
Que nós nos fodemos
Que vós vos fodais
Que eles se fodam

Imperfeito do Subjuntivo
Se eu me fodesse
Se tu te fodesses
Se ele se fodesse
Se nós nos fodêssemos
Se vós vos fodêsseis
Se eles se fodessem

Futuro do Subjuntivo
Quando eu me foder
Quando tu se foderes
Quando ele se foder
Quando nós nos fodermos
Quando vós vos foderdes
Quando eles se foderem

Imperativo Afirmativo
Se fode tu
Se foda ele
Se fodamos nós
Se fodei vós
Se fodam eles

Imperativo Negativo
Não se fodas tu
Não se foda ele
Não nos fodemos nós
Não vos fordais vós
Não se fodam eles

Infinitivo Pessoal
Por me foder eu
Por te foderes tu
Por se foder ele
Por nos foderemos nós
Por vos foderdes vós
Por se foderem eles

quinta-feira, 13 de março de 2008

A sala da diretora

Wellington vivia na sala da diretora, desde a primeira série foi o aluno mais temporão da sala. O seu estigma fazia com que muitas vezes fosse culpado mesmo sem ter relação alguma com o problema da vez.
Em seu grupo de amigos era admirado, afinal, para ele qualquer frase que iniciasse com os dizeres “eu duvido que você...” era imediatamente executada. E quanto mais estripulias eram realizadas o seu limite ia aumentando.
Wellington era odiado pelos nerds. Ele nunca estudava para as provas, só tirava notas ruins e eternamente fazia prova de recuperação. Mesmo assim, os nerds mordiam-se de raiva quando viam Wellington na mesma turma que eles no ano seguinte. Além disso, a cada piadinha dele na sala de aula em que todos os alunos riam, os nerds se contorciam por dentro. Às vezes, até os professores riam das piadas dele, o que enraivecia ainda mais os nerds.
Os professores tinham opiniões diferentes sobre ele. A maioria o odiava, tanto ou mais do que os nerds, e eram os principais responsáveis pelas suas visitas à diretoria. Alguns professores até gostavam dele. Outros apenas o aturavam. Ainda tinha aqueles que tinham dó, e quando Wellington fazia bagunça, eles apenas o chamavam pra conversar ao final da aula. Diziam: “Wellington, você é um bom menino. Você é inteligente. Mas por que faz tanta bagunça?”. Ele apenas olhava com cara de coitadinho, então os professores o mandavam embora, com uma breve alisada nos seus cabelos.
A diretora já tinha hora marcada para receber Wellington, mas algumas vezes ele a surpreendia e não era mandado a sua sala pelo professor. Na última vez, a diretora Anselma disse que na próxima vez seria expulso. Ela já tinha dito isso várias vezes antes, mas dessa vez falou que “realmente não tinha mais jeito”. O ano ainda estava na metade e ele já estava condenado. Apesar de todos jurarem que ele não agüentaria ele prometeu para a diretora, para os seus pais, e principalmente para si que iria até o final do ano sem aprontar nada.
Ao saber da condenação precoce de Wellington, os nerds resolveram tramar ele. Os nerds sabiam que Wellington era amigo dos meninos mais velhos que ficavam fumando no fundo da escola. Os meninos eram aqueles que mesmo no ensino fundamental já tinham bigode, pareciam com os pais dos alunos comuns e já tinham estudado com os irmãos mais velhos dos alunos atuais. Algumas vezes Wellington ia para trás da escola junto com eles.
Eis que na quinta-feira, antes do feriado o menino-problema estava com a sua patota quando os meninos mais velhos passaram e o chamaram para acompanhá-los. Os nerds acompanharam de longe a movimentação dos meninos e dos homens. O gosto pela aventura, que era freqüente em Wellington o levou até o fundo da escola. Nem mesmo sua turma quis acompanhar Wellington , pois mesmo com tantas estripulias no currículo consideravam fumar algo pesado demais. Os fumantes precoces iam o mais rápido possível para o fundo da escola, pois quanto mais rápido chegassem mais poderiam fumar. A velocidade acelerava mais ainda o coração de Wellington. Ele pensou em voltar, mas era tarde demais, se voltasse seria zoado eternamente pela turma dos bigodudos, e perderia toda a fama que construíra ao longo da sua vida escolar. Ao chegar tiraram a carteira de cigarros, que custou cinqüenta centavos, sacaram os fósforos, e mesmo com um menino vigiando se não vinha ninguém, a inspetora Adalgisa apareceu e os pegou em flagrante.
Ao caminho da sala da diretora Wellington pensava de forma positiva e negativa simultaneamente. Por um lado pensava “Me fudi! Eu vou ser expulso, vou ter que ir pra outra escola, onde não conheço ninguém”, por outro lado pensava “Mas ela já disse aquilo milhares de vezes, desta vez não pode ser diferente”. A espera na sala foi se tornando tensa, ele suava, enquanto os meninos do bigode davam risada. Para se enturmar ele dava risadinhas de canto de boca. Quando Anselma chegou fez o mesmo procedimento de sempre com os meninos, chegou, conversou, ligou pra mãe e mandou embora. Quando Wellington estava saindo ela falou “Hey, você não rapazinho!”.
O coração disparou. Ele tentou falar algo, mas o nervosismo não deixou que falasse.
- Eu não te falei que da próxima você seria expulso?
- Ma....
- E você não falou que ia tomar jeito?
- Ma.....
- Você está expulso Wellington!
- Mas professora, eu não estava fumando. Só estava junto com eles.
- Eu sei Wellington, eu sei. Aliás, estou cansada de saber. Agora você conta isso pra diretora do seu novo colégio.
Wellington foi expulso e foi estudar em um colégio de freiras, onde finalmente terminou o primeiro grau.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Aham

Mariana e João Cláudio já estavam na rotina há tempos. Para João Cláudio isso era muito bom, para Mariana, uma bosta.
Na sexta-feira João Cláudio chegou em casa a noite, tirou os sapatos, afrouxou a gravata e pegou uma cerveja, como fazia todos os dias. Sentou em frente à televisão e ficou hipnotizado, como todos os dias. Mariana ficou só observando. No começo da hipnose televisiva ela falou:
- É isso que você vai fazer?
- Isso o que?
- Tirar, afrouxar, beber e assistir?
- Sim.
- Mas João Cláudio, você faz isso todo dia!
- Aham.
- Mas hoje é sexta-feira, você vai fazer a mesma coisa que na 2ª, na 3ª, na 4ª e na 5ª?
- Aham.
- Não agüento mais isso João Cláudio!
Ele a olhou com cara de pouco caso e virou-se de volta para a TV. Ela ficou mais emputecida. Respirou fundo, levantou-se, pegou um copo d’água e voltou ao seu lado.
Tentou puxar conversa novamente:
- Nossa, tive um dia horrível hoje.
- Aham.
- Aquele meu chefe é um filho da puta! Você lembra dele né?
- Aham.
Você conheceu ele no churrasco da empresa né?
- Aham.
- Ele é muito arrogante. Hoje ele gritou comigo umas três vezes na frente dos outros. Parece que ele faz de propósito, pra que todo mundo veja sabe?
- Aham.
- Hoje eu queria sair pra tomar umas cervejas, esquecer um pouco do trabalho sabe?
- Aham.
Mesmo “concordando”, João Cláudio continuou intacto. Conseqüentemente Mariana ficou ainda mais nervosa, foi até o quarto, pensou durante cinco minutos e voltou.
- João Cláudio, precisamos conversar!
Pegou o controle e desligou a TV. Enfim, João Cláudio olhou-a por mais de 5 segundos ininterruptos.
- Porra João Cláudio. Você faz todo dia a mesma coisa e nunca me dá atenção!
Ele ficou apenas olhando.
- Você nunca conversa comigo, nunca me conta como foi o seu dia!
Silêncio.
Em tom mais meigo, Mariana continua:
- Você não era assim no começo. Antes você era muito mais atencioso comigo.
Olhar apreensivo.
- Antes você me trazia presentes. Chegava em casa disposto, sempre com vontade de fazer alguma coisa.
Olhar de quem estava em um mundo distante.
- Caralho João Cláudio, faz mais de um mês que a gente não transa!!!
Ele não falou nada, o que a deixou mais raivosa. Foi até o quarto e voltou rapidamente.
- Ah João, vamos voltar a ser como antes. Vamos sair hoje?
Ele olhou e fez cara de pensativo. Ela continuou:
- Então João, vamos aonde?
Ele continuou com a cara de pensativo.
- Que merda João Cláudio. Desde que você chegou você não falou nada. Eu falei um monte de coisa e você não vai abrir a boca?
Ele balançou a cabeça negativamente.
Ela tirou uma arma e deu um tiro a queima roupa na cabeça dele.
- FALA AGORA SEU FILHO DA PUTA!!!
Silêncio.

terça-feira, 4 de março de 2008

O novo já nasce velho

Quando algo muda de nome, demora muito tempo pra mudar de nome. Explico. Mesmo que alguma coisa mude de nome, este algo demora muito tempo pra mudar de nome efetivamente. O nome antigo continua durante vários anos na cabeça dos mais antigos, que conheceram o algo com o seu nome de antes.Ainda não entendeu? Ókei, vamos aos exemplos práticos.Já há alguns anos o nosso querido e famoso Cefet recebeu o nome/grau de Universidade Tecnológica, a primeira do Brasil, diga-se de passagem. Mas, quem é que chama o Cefet de Universidade Tecnológica? Por muito tempo o Cefet vai continuar chamando-se Cefet, mesmo que ninguém saiba dizer o que significa.

UP
Recentemente o Unicenp recebeu a graduação de Universidade, passando a se chamar Universidade Positivo. A “nova” instituição recebeu a sigla ridícula de UP. Unicenp era muito mais descolado. O novo nome só não perde para o antigo na questão da propaganda. A trilha sonora da nova instituição será “get UP”, do grande James Brown. No final do ano não tocará mais musiquetas de natal na ponte, mas sim o hino Black “get UP”. As propagandas não terão mais modelos fingindo ser alunos que estão fingindo que estão estudando. Agora, as propagandas terão o nosso reitor dançando “get UP” com uma peruca Black Power. Mesmo assim, os esforços não vingarão. O Unicenp vai continuar Unicenp.

O Formiga
O super-hiper-mega-supersônico mercado formiga foi durante muito tempo ponto de referência na região brazense (no São Braz). Há uns sete anos o mercado mudou de nome, e mudou, e mudou e mudou de novo. Ainda assim, o formiga continua formiga. O ponto de referência ainda é o formiga, mesmo que não exista mais.

Exemplo Pessoal
Por um motivo que não vou contar agora (se não terei que escrever um novo texto), há exatos 9 anos deixei o meu nome de batismo para me chamar fogo. Todo mundo acha que o apelido se deve ao meu cabelo, que era Black Power. Por ter a mesma preguiça que estou agora em contar a história, acabo confirmando a história. Agora não tenho mais Black Power, mesmo assim vou continuar sendo fogo, provavelmente até o resto da vida.
Vou continuar sendo o fogo, que estuda no Unicenp, compra salgadinho no formiga e trabalha na rua do Cefet.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Angústia

Quando Eulália passou pela Avenida Batel no sábado a noite, o fardo que carregava ficou ainda mais pesado. Já não agüentava mais carregar aquela terrível angústia.
Eulália era um daqueles tipos de mulher dona de casa, a mulher família. A sua vida era inteiramente dedicada ao bem estar de sua família: o seu marido Eusébrio e seus quatro gêmeos, Edna, Edvaldo, Edevair, e Edílson.
Mãe de fibra. Fazia tudo pelas suas crias, até mesmo xingar a mãe do colega de escola que tirava sarro do nome de um dos seus filhos, mesmo que a mãe do coleguinha fosse a sua vizinha com quem mais conversava (leia-se fofocava).
Eulália fazia todas as vontades de um dos seus pequeninos Ezinhos, como chamava os picorruchos.
Aos sábados Eulália ia à igreja acompanhar a aula de violão dos seus filhos. Orgulhava-se de ser a mãe do primeiro quarteto caipira do Brasil.
Aos domingos voltava à igreja na primeira missa do dia. Às 7 horas acordava e colocava o seu melhor vestido. Maquiagem nunca usava, mas se arrumava ao máximo para assistir o sermão do Padre Oderval.
Ao voltar da missa, preparava o famoso frango assado da dona Eulália, que a filha Edna reclamava quando grudada um pedaço de papel alumínio, pois sentia arrepio ao morder.
A alegria de Eulália era ver os filhos bem vestidos, bem penteados, cherosinhos e sorrindo. Eram a sua razão de viver.
Mas apesar da sua felicidade, ela estava triste ultimamente. Já não sorria mais ao assistir zorra total. Não fofocava mais com Robéria, sua vizinha surda.
Eram várias as razão para a sua chateação. O marido Eusébrio chegava alcolizado em casa, já não assistia mais a novela das 8 junto a ela, não fazia mais massagem em seus pés, não a levava mais ao motel “My truck” e não a chamava mais pra comer buchada de bode no bar do Euller.
Os filhos pareciam gostar mais do pai, e só queriam saber de ir ao jogo de futebol do combate barrerinha. Mesmo arrumando os seus bacuris para ir ao jogo, eles voltavam todos descabelados, com os sapatos enlameados e com a camisa toda suja de molho de cachorro quente. Trocaram a chateação de futebol e música pelo antes divertido bingo.
Depois desse período Eulália se abraçou ainda mais a Jesus. Mas parecia que nem deus a dava atenção: ficava sempre de braços abertos, mas nunca a abraçava.
Nem mesmo Joana Conselheira, a tão disposta mocinha do rádio a ajudou. Não respondeu nenhuma das suas 371 cartas. Tentava afogar as suas mágoas com tubaina e paçoca, mas nem isso amenizava a sua dor.
A dor cresceu ao ver jovens felizes na Avenida Batel, todos aqueles rapazes e moças com a boca cheia de dentes, ricos e drogados. Sentiu que aqueles poderiam ser um dos seus filhos, que estava indo buscar na Cia da Vila – Rústico e Acústico. Pensou que os seus filhos estariam se divertindo sem ela, enquanto assistia novela. Não agüentou. Tirou os seus seios de 30 centímetros, já abalados pela lei da gravidade, e os colocou para fora gritando: “AAAAAAAAH EU QUERO IR NO MERCADO!”.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Mistura repentina

Seu Alfredo morava em um bairro próximo ao centro da cidade havia 86 anos. Nasceu naquele lugar em uma época em que a cidade ainda era pouco agitada. Na época em que eram raros os carros passarem pela Desembargador Westphalen.
Ele negava-se a se misturar com toda esta “evolução”. Asfalto, carros, gasolina, gente eram coisas que não o atraiam. De forma alguma colocava o nariz para fora de casa e se misturar a toda essa fezes humana. Ficava somente olhando pela janela. Via dia-a-dia o mundo crescer e se auto-destruir. Observava tudo através da janela. Em sua casa ainda sobrevivia agonizante um mundo antigo, o mundo que escolheu para viver quando casou-se com dona Zuleica, que moraria com ele até os seus últimos dias.
Atrás de sua janela era imune a toda modernidade. A sua casa, um local escuro e aconchegante, o mundo não conseguiu mudar. Os sofás eram todos manchados, mas a capa bege por cima escondia suas marcas, os lustres eram grandes e robustos, e o telefone, que raramente tocava, ainda era de disco. O único contato que o mundo tinha com Alfredo era por meio do jornal, que como seu pai, Alfredo comprava todos os dias. Não lia, só dava uma olhada. Não lia nada, mal conseguia enxergar. A única obra que ocupava a sua estante era a coleção da Barça, que o seu gato, que um dia fora branco, passava por cima quando a televisão era ligada.
Desde o café da manhã até o chá da tarde Alfredo ficava na janela. Depois disso, tomava banho, rezava e ia dormir, enquanto dona Zuleica assistia a novela das 8.
Ao lado da casa de seu Alfredo havia uma Ong, cheia de jovens querendo mudar o mundo. Frequentemente alguns dos jovens tentavam cumprimentar Alfredo, mas ele continuava olhando fixo para o ponto onde estava olhando: o horizonte. Jamais deixaria que um daqueles jovens drogados interagisse com ele. Uma das jovens que trabalhava na ong era neta de um amigo seu. Mesmo assim não havia proximidade alguma, mesmo sendo Samantha neta do seu grande amigo Vieira. Seu Alberto e seu Vieira aterrorizavam a região antigamente. Quebravam tudo e mexiam com todos que estivessem pelo caminho quando voltavam do bar do Paulo, que ficava no largo da Ordem. Ao chegarem, cada um entrava em sua casa, a do seu Alfredo no meio da quadra, e a de seu Vieira na esquina com a Engenheiro Rebouças, onde hoje é uma balada que toca música dos anos 80. Após cinco minutos deitados, o mundo rodava. E os dois, simultaneamente, saíam para a janela vomitar todo o produto consumido no bar do Paulo.
Em uma quinta-feira pela manhã um dos jovens da ONG resolveu fazer uma brincadeira com seu Alfredo. Saiu pela porta junto à parede, praticamente se esfregando. Quando chegou abaixo da janela, colocou a perna em um pequeno buraco na parede e subiu, e gritou: “Ráááááááááááá”.
Seu Alfredo não agüentou. Enfarte no miocárdio. Não morreu devido ao susto, mas pela proximidade repentina que o mundo moderno chegou até ele.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Temível Carga Carregada

Desde que entrei na universidade tive antipatia pelos alunos do quarto ano. Nunca conversava com eles. Quando assisti as bancas de final de ano eu torcia para eles se fuderem, e algumas vezes a minha torcida dava certo.
Nos anos posteriores já conhecia algumas pessoas do último ano, o que tornou mais emocionante a minha torcida. Só torcia a favor, e torcer a favor é sempre mais sofrível do que torcer contra. Eu os conhecia, por que, obviamente, não estavam no quarto ano quando os conheci. Ainda tinham alguns sorrisos no rosto e um brilho no olhar.
Eu via durante o ano os meus amigos se tornarem zumbis. Aos poucos iam ficando com os olhos cada vez mais fundos, sempre boquiabertos, e com a cabeça pensando em somente uma coisa: TCC.
No período de zumbi os meus amigos só tocavam em dois assuntos. Entre si, só falam no bendito TCC. Com os demais eles falam algo que é um defeito para qualquer pessoa. Entre si, é possível ouvir conversas do tipo: “Entrevistei uma fonte importante pro meu trabalho”, “Preciso arrumar as normas da ABNT”, “Hoje eu tenho orientação”, e todos os papos do gênero.
Com as demais pessoas eles têm o péssimo hábito de levar a sério a pergunta “Oi, tudo bem?”. A cada pessoa que faz esta pergunta, mesmo que não seja próxima, recebe uma resposta sempre sincera, até demais. É provável ouvir respostas como: “To cansado”, “Meu, to fudido”, “Cara, to ficando louco”, e outras coisas vindas de pessoas que não sabem que a pergunta é feita somente por educação.
Os zumbis crônicos são aqueles que andam pelos corredores somente com um livro na mão. E se alguém encostar no livro isso irá desencadear uma encarada com um olhar mortal. Eles brigariam perfeitamente, mas não tem tempo pra perder com seres tão insignificantes como nós, simples mortais.
O mais entristecedor é que eles nunca voltam ao normal. Depois que o antídoto faz efeito todos continuam sérios. Sempre mais responsáveis do que eram antes. O que me deixa preocupado é saber que chegou a minha vez. Chegou a minha hora de desenvolver o TCC: Terrível Carga Carregada.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Fria e agradável

A noite estava fria e agradável naquela noite de 27 de dezembro de 2006. Eu acabara de chegar a Itajaí onde meus amigos estavam me aguardando. Íamos passar a virada de ano lá, no apartamento do pai de uma das nossas amigas. O apartamento ficava em frente à igreja matriz da cidade, mas a religião não nos impedia de beber dia e noite. Na mesma noite em que cheguei já bebíamos a nossa cervejinha, que consequentemente já tinha sido bebida durante o dia pelos que lá estavam antes da minha chegada. Enquanto bebíamos as mulheres da casa foram dormir e nós resolvemos ir beber e conversar na praça em frente à igreja. Além das garotas, a cerveja também tinha ficado em casa. Indo à praça somente nós quatro e os destilados. Sentíamos na pele o vento que à noite fazia a janela uivar. Mas isso não nos impedia de celebrar a minha recém chegada e o novo ano que estava por vir em alguns dias.
Enquanto conversávamos vimos dois rapazes fortes vindo em nossa direção. A primeira coisa que veio à mente foi: “eles vão nos roubar”. Mas quando começaram a falar a idéia mudou imediatamente. A voz mansa tinha um tom de pedido, como o de uma criança que pede aos pais um presente fora da época de natal. Ele nos pediu dinheiro para “se destruir”. E tinha as suas razões para buscar a tal destruição, mas nós nem imaginávamos quão grande poderia ser a desejada destruição (que o nosso dinheiro não poderia pagar).
-Cara, eu podia mentir pra vocês, mas eu quero uma grana pra eu fumar um crack. Eu tava em um hotel em balneário com a minha mulher e minha filha, e dei uma saída, quando eu voltei ela tinha ido embora com todas as nossas coisas. A vida pra mim não tem mais razão, eu to no fundo do poço. Eu to querendo uma grana pra usar droga e ver se consigo, graça a Deus, entrar em uma overdose, por que eu não tenho coragem de tirar a minha própria vida.
A esta altura ele já chorava e nós nos assustados com a situação. O seu companheiro tentava “consolar”:
- Aí meu, para de chorar. Homem não chora na frente dos outros não! Na real mesmo todo homem chora, mas chora lá no seu cantinho, não fica chorando na frente dos outros não.
Um de nós deu-lhes algum dinheiro e eles saíram. O tom da conversa já não poderia ser mais o mesmo, ficamos mais um tempo conversando sobre drogas e histórias semelhantes, mas não como aquela obviamente. Depois de algum tempo eles voltaram, um pouco mais animados. Terminamos de beber e fomos embora. Dormimos e a noite que era fria e agradável, continuou somente fria.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Tudo igual

Não adianta, desde a primeira séria, melhor, desde o pré, volta às aulas é sempre igual. Agora, no final do ensino superior pude perceber: é tudo igual. Sempre a mesma coisa. Quase todo mundo muda de visual, a maioria, principalmente as garotas, estão bronzeadas. Mesmo sendo bronzeadas com o sol de Guaratuba, ou Matinhos, onde também pegaram bicho de pé, micose, e etc, o bronze carrega um glamour. Que dali um mês irá desaparecer, e vai voltar a ser tudo igual.
Os fanfarrões continuam fanfarrões, as gostosas continuam gostosas, os bobos continuam bobos, e os vagabundos continuam vagabundos.
A suposta alegria em ver os professores é memorável. O abraço entre professor e aluno é uma cena linda de se ver. Mas se pudessem, um viveria sem o outro por 50 anos sem sentir falta.
Todos falam igual tagarela. Há suas exceções, os quietinhos não falam, afinal, os quietinhos e comportadinhos continuarão do mesmo jeito. Mas, a grande maioria fala pra caralho.
Só há um grupo que sem exceção não fala porra nenhuma. O grupo mais divertido. O grupo que também é sempre igual. Mudam as pessoas, mudam os rostos, mas o grupo, e seu comportamento, continuam o mesmo. Os calouros.
Por mais que esteja todo mundo sorrindo e falando, os calouros estão com cara de paisagem. E esta paisagem é daquelas bem vagas, e com poucas expressões. Há um ar de medo naquela paisagem. Como podem fazer mal, os veteranos, aqueles seres tão sorridentes e simpáticos. Os veteranos são assim só com os próprios veteranos. Com os calouros há um sorriso sádico, um sorriso de quem diz “vou te fuder no trote”. Depois do temível e divertido trote, temível para os calouros e divertido pros veteranos, a cara de paisagem medonha desaparece. Aí sim, aparecem os fanfarrões, biscates, nerds, malas e afins, e deixam de serem seres homogêneos e sem personalidade. E no próximo ano, os calouros serão do mesmo jeito de novo. Todos são assim. Mas eu tenho certeza de que eu não era.

Bebida não mata

Dia desses indo até a casa da minha namorada a pé, passei em frente a um bar e vi um cara que sempre vejo nos barzinhos perto de casa. Eu via o cara sempre, desde quando aportei no São Braz (uns 14 anos), mas naquele dia me veio um pensamento diferente: bebida definitivamente não mata.
Desde que cheguei aqui no maravilhoso bairro do São Braz moro em frente a um bar. Eu então piá de bosta, ia dia e noite no bar pra comprar doces, salgadinhos, refrigerantes e afins. Hoje em dia já não vou tanto no bar da frente de casa, e conforme o tempo vai passando, menos eu vou no bar (o da frente de casa). Mas desde a primeira vez que fui ao bar via alguns caras lá. Os caras pareciam senhores trabalhadores, com boa aparência, sempre muito vermelhos e bebiam bastante. Eles passavam muito tempo no bar, e obviamente não estavam comprando refrigerante, pois eu não levo horas para comprar refrigerante pro almoço. Aqueles senhores tinham aparência de bêbados, bem comportados, mas bêbados. Na verdade eu não os via somente no bar da frente de casa, mas em muitos botecos da região São Braziana. 14 anos se passaram desde a primeira vez que eu fui ao boteco. E um pensamento me flagrou naquela noite.
“Caralho, desde que eu vim morar aqui os caras são os mesmos. Os caras bebem praticamente todos os dias e ainda estão vivos porra!”. Pois bem, fiquei feliz em saber que os caras não morreram de beber. Mas fiquei triste por outra causa: o seu Afonso morreu. O dono do bar. Conclusão: beber não mata, ver os outros beber é que mata.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Múltiplos Olhares


No ano passado ganhei um concurso fotográfico chamado Múltiplo Olhares. O concurso foi promovido pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), e era destinado aos estagiários da Rede Andi Brasil, organização da qual a minha agência (a Ciranda) faz parte.
As minhas fotos foram tiradas no Centro de Socioeducação Fazenda Rio Grande. Uma unidade social onde 20 meninos cumprem medidas socioeducativas em privação de liberdade. As fotos estão em exposição virtual no site do programa de estágio da Andi. E Há uma notícia sobre o concurso no site da Secretaria de Estado da Criança e da Juventude.
Se quiserem conhecer um pouco do cotidiano dos meninos acessem:

Secretaria de Estado da Criança e da Juventude

Programa de Estágio da Andi

Haja fígado

Estava no ônibus indo para a faculdade de noite. Exatamente na hora H, a hora em que todo mundo volta do trabalho pra casa, e coincidentemente os estudantes vão para a aula. Mas por que será que resolveram fazer isso com as pessoas? Por que cargas d’água foram inventar de colocar as pessoas no mesmo horário no mesmo ônibus?
Pegar ônibus esse horário cansa mais do que o próprio trabalho. Chegar no trabalho e ver o seu chefe com aquele sorriso totalmente receptivo é um alívio pra quem vem de ônibus. Enquanto para quem vem de carro, ver o patrão pela manhã é um verdadeiro pesadelo.
Todo mundo se esfregando, suado, todo mundo se respirando. Cada um respeitando o pequenino espaço do outro. Apesar de os passageiros serem totalmente diferentes todos os dias, parece que todos já se conhecem, desde os calos dos pés que não podem ser pisados em hipótese nenhuma, até as partes menos importantes do corpo, que podem ser batidas e amassadas sem nenhum problema.A grande maioria já é pós-graduado em pegar ônibus. Assim como os passageiros o motorista também quer chegar rápido em casa. Os movimentos do famoso Latão estão em total sincronia com os movimentos dos passageiros. Latão pra lá, sardinhas pra cá.
Como de costume de todos os curitibanos, ninguém fala. Ninguém fala absolutamente nada. As pessoas estão tão juntinhas que é impossível que alguém esbarre em alguém, o espaço é mínimo. Mas caso isso aconteça, ninguém fala nada. No máximo o esbarrador olha para o esbarrado e finge estar falando alguma coisa, no final da “frase” apenas abaixa a cabeça como sinal de desculpa. E o esbarrado por sua vez abaixa a cabeça também, como se com esse simples gesto um dissesse para o outro:
-Ei amigão, desculpa por ter batido em você, você sabe como é né? Esses ônibus lotados balançando toda hora, isso acaba acontecendo.
E o esbarrado retruca:
-O que é isso? Não foi nada, nós que pegamos ônibus todos os dias já sabemos que isso é comum. Você pega sempre esse ônibus?
E a partir daí os dois começam a desfiar um longo papo até o ponto final. Mas isso é irreal e praticamente impossível. Ninguém fala nada. Até parece uma regra geral que todos seguem à risca. Quando o ponto chegou e alguém quer descer, o sangue sobe a cabeça e alguém tenta quebrar a regra, mas não quebra. Para pedir passagem apenas um “sença” já basta.
Mas de repente, sem mais nem menos alguém quebra o silêncio, através de um ritmo bem definido e pausas marcadas alguém grita lá da frente:
“Boa tarde senhores passageiros/ Desculpem atrapalhar a viagem de vocês/ Eu estou aqui nesse ônibus/ Pedindo a sua humilde contribuição./ Eu fiz uma operação/ que não deu certo./ Por isso eu estou com o fígado pra fora/ como vocês podem ver/ o meu fígado está em uma sacola plástica/ e preciso coloca-lo para dentro.”
Lá de trás eu penso: “Meu Deus do céu, que pessoa inescrupulosa! Eu só quero ir para a aula e as pessoas vêm aqui me mostrar o fígado. Que coisa nojenta! Aonde nós vamos parar desse jeito?”
Enquanto isso o sujeito vem lá da frente gritando e pegando os trocados que alguns passageiros conseguem pegar nos bolsos. As frases de agradecimento variam, três obrigados e um Deus que ajude:
-Brigado, brigado, brigado.
-Deus que ajude.
-Brigado, brigado, brigado.
-Deus que ajude.
-Brigado, brigado, brigado.
-Deus que ajude.
Eu lá atrás pensando: “Isso deve ser horrível. Se eu olhar para isso eu vou vomitar. Eu não tenho fígado para isso. Ou se tenho, mas pelo menos o meu está dentro do corpo”.
E ele vem se aproximando cada vez mais. E eu, felizmente sentado, prefiro virar o rosto para não ver. Colo a cara no vidro, o meu bafo começa a embaçar a janela. Mas eu não vou ver isso. EU NÃO VOU VER.
Quando ele chega bem do meu lado ele fala:
“Jovem, você não vai me ajudar?”
Eu penso em continuar olhando para a janela, mas seria muita arrogância de minha parte fingir que não ouvi. Olho primeiro para o rosto dele:
-Pai? O que o senhor está fazendo aqui?
-Filho? Você não devia estar na faculdade à uma hora dessas?
-Não mude de assunto. Desde quando o senhor tem o fígado para fora?
-Desde quando eu passei no açougue. Eu queria comer esse fígado, mas eu fiz uma operação no dente e não consigo mastigar.
-Mas se eu não me engano o senhor não disse nada a respeito do dente quando pediu dinheiro.
-Eu sei que não.E quer saber? Nem faz diferença. Ninguém perguntou nada mesmo. Todo mundo me deu o dinheiro sem perguntar mais nada. Afinal, Curitibano nunca fala.