terça-feira, 15 de outubro de 2013

Há caso?

Viram-se pela primeira vez pelo acaso. Foi acidental, se é que um acidente pode ser bom. E se é que foi bom terem se visto.

Estavam de costas um para o outro. Não por acaso carregavam um guarda-chuva e um ônibus os carregava.

Ele ia para uma entrevista de emprego. Ela enfrentava o transporte coletivo todos os dias, mas nunca naquele horário. Estava atrasada.

As costas se encostavam mesmo que evitassem o contato gratuito, afinal ambos eram curitibanos. O contato só foi possível graças à lotação estar lotada.

O guarda-chuva já fazia parte do visual de ambos. Em Curitiba nesta época do ano o guarda-chuva é uma extensão do braço. Ele segurava nas mãos, molhando o chão do ônibus. O dela estava na mochila, somente com o cabo de fora. Estava tão frio que até mesmo o guarda-chuva corria o risco de pegar gripe se ficasse exposto à friagem.

A distração dela foi interrompida quando a voz do ônibus que fala anunciou que seu ponto estava chegando. Apressada, desceu do ônibus levando consigo uma lembrança.

A alça do guarda-chuva se enroscou com a mala dele, que desceu onde não devia. Quando perceberam, começaram a rir timidamente. Olhavam um para o outro, depois olhavam pro chão e riam.

Ela se desculpou. Ele, embora tenha descido quatro pontos antes do desejado, aceitou as desculpas.

Depois da graça ficaram sem graça. E mesmo com vontade de conversar rumaram para seus compromissos.

Como previsto ela chegou atrasada. Ele, devido ao imprevisto, também se atrasou e não conseguiu o emprego.

Ela já se imaginou contando para a filha como se conheceram. Ele queria contar para os amigos, mas sabia que iriam chamá-lo de bundão por não ter conseguido dizer nada para a garota.
Esforçaram-se para um novo encontro. Ele pegou o ônibus mais algumas vezes mesmo sem nenhum compromisso. Ela passou a chegar atrasada frequentemente.

O dinheiro dele acabou e não pode mais instigar outro acaso. Ela não podia mais se atrasar por conta do possível caso.

Depois o acaso nunca mais ocasionou.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O ex-poeta

O poeta já não mais poetisa.

Sua esperança morreu e não foi a última, sobrou seu corpo, como testemunha.

Agora virou trabalhador. Anda de carro, bate cartão, não conversa, não olha pela janela, não divaga, não ri e não chora.

Seu olhar poético embaçou. Seu coração empedreceu. Robotizou-se. Desensibilizou-se.

Ele agora só vai. Segue um caminho reto, sem desvios, sem emoções, sem desafios. Não sabe aonde quer chegar. Segue um rumo que o guia na certeza do nada.

Em sua jornada de zumbi o ex-poeta às vezes avista a alma penada da sua esperança, que some assim como seus sonhos.

Antes usada para celebrar, a bebida perdeu seu sentido. Não há nem lamentação e a ressaca já não faz sua parte. Não tem mais mágoas para afogar. Ex-poetas não tem mágoas.

O ex-poeta não tem motivos para viver, para morrer ou para escr