segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Mário e Júlia - Por Alexandre Fernandes

A relação já não estava com aquela chama ardente presente em namoro novo. Cada um tinha seus motivos para o desaquecimento da vida a dois do casal. Júlia agia como a chefe da relação. De uma hora para outra, na visão dela, Mário só tinha amigos bêbados e vagabundos. E as amigas dele eram todas vagabundas que queriam dar.

Mário também não fazia muito para a relação melhorar. Ele colocava a culpa da relação estar indo mal na má fase do Flamengo, na perseguição do chefe pentelho ou qualquer coisa que o afastasse do famigerado "discutir a relação". Seu jeito sereno e tranquilo, em excesso, contribuiu bastante para a crise do casal.

Ele queria fugir de uma discussão e resolveu dar um passo rumo ao retorno de uma relação tranquila e saudável. Disse que iria fazer um jantar especial para sua amada. Ela gostou da ideia e se mostrou surpresa, pois Mário é daqueles que para não sujar louça pede comida pelo delivery.

Dedicado, Mário caprichou na escolha do vinho para acompanhar a massa que preparou para o jantar de acerto de contas do casal, que ainda não tinha se separado. Caprichou também na faxina do seu cafofo. Antes que sua pequena chegasse para o encontro, ensaiou um pedido de desculpas pela sua apatia no namoro/noivado/casamento/tico-tico-no-fubá.

Quando Júlia chegou, Mário interrompeu seu ensaio. Antes de abrir a porta deu uma última ajeitada na cozinha e trocou a camisa que sujou com uma gota de molho. Ela entrou e se impressionou com a organização da casa. Conversaram bastante, pareciam se entender. E tudo se encaminhava para um retorno tranquilo do romance.
Porém, ahhh porém, no momento do jantar as coisas não foram do jeito que ambos imaginavam. Não exatamente pelo cardápio do chef Mário, mas por um capricho de Júlia. Quando ele serviu o jantar para sua amada, ela se impressionou com o aroma e o visual. Mário parecia empolgado por estar fazendo algo que evitaria uma discussão de relação.

Logo após a refeição, entre uma taça e outra de vinho, Mário todo romântico pergunta se a moça tinha gostado do cardápio. Ela responde: “Sim, estava ótimo. Mesmo sendo feito com massa pronta, aí fica fácil”. Mário ficou um tempo olhando para o nada. Apenas pensava no esforço e empenho para fazer um jantar bacana para ela.

Olhou para Júlia e disse que tinha que fazer uma coisa. Ela sem entender perguntou o que ele tinha que fazer, mas não teve resposta. Ele pegou as chaves do carro e saiu. Ela ficou ali parada por algum tempo, esperou por meia hora e foi embora. Quando chegou na portaria do prédio, viu Mário jogando baralho e tomando cerveja com o porteiro.

Nunca mais se falaram.

Fim

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Nosso amigo Alexandre Fernandes (o Kibe) veio para o Di-Vagá fazer uma visita colaborativa nesta semana.

Gozador que é, Alexandre é um dos responsáveis pelo site de humor e futebol Allejoalém de jornalista e sócio-fundador do Dois Copos.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O esperado acontece

Fosse casado poderia acordar assustado com uma mulher gritando e o xingando para que acordasse logo por estar atrasado.

Ou então acordaria recebendo um inesperado sexo oral matinal.

Existia também a possibilidade de ao voltar do sonho olhar para o lado e ver que passou a vida com alguém que não amava.

Mas não.


Era solteiro e acordou com o despertador o despertando.

Se tomasse café passaria mal, ou bem, dependendo do que dizia a mais nova pesquisa da semana sobre o café.

Corria o risco de derramar o líquido e além de trocar a roupa e se atrasar, queimar a perna.

Havia ainda a chance de a bebida o deixar mais animado para o trabalho.

Mas não.


Tomou um achocolatado e saiu.

Se fosse de carro era possível que fosse assaltado no semáforo e, reagindo, tomar um tiro na fuça.

Não era impossível que fosse um dos participantes do maior engavetamento da história da cidade, que envolveu 748 veículos (com ele seriam 749).

Passar por uma manifestação também estava dentro das possibilidades, já que naquela manhã havia um protesto real com pessoas que carregavam faixas com dizeres do mundo virtual que defendiam os direitos dos animais de estimação de também ter um animal de estimação, já que eram bichos de estimação de pessoas que não tinham estima.

Mas não.

Não tinha carro e foi de ônibus.

No ônibus arriscou-se a encontrar alguém que conhecia, mas não queria conhecer e ser obrigado a conversar com essa pessoa mesmo sem ter o que conversar.

O ônibus em que estava também poderia ser sequestrado por um sobrevivente de uma chacina de moradores de rua que o manteria no ônibus por quase cinco horas.

Teve a chance também de esbarrar com uma moça, derrubar sua sacola e quando abaixar-se ela também se abaixar e os dois pegarem a sacola e levantarem se olhando e essa mulher ser a Julia Roberts e ele se apaixonar e casar com a Julia Roberts, que lhe acordaria com um inesperado sexo oral matinal.

Mas não.

Nada de inesperado aconteceu e ele chegou ao trabalho normalmente.