sexta-feira, 29 de abril de 2011

2 R$

Com a mão esticada falava algo e recebia apenas balanços de cabeça como resposta. Vinha em minha direção.
Quando chegou logo começou a falar como se não percebesse que eu estava no mundo do meu fone ou até percebeu, mas falou mesmo assim, já esperando não ganhar aquilo que esperava.
Tirei calmamente o fone, lhe pedi desculpas e que repetisse. Veio o discurso. Na transição dos mundos fiquei meio atordoado e acabei por não ouvi-lo. Me desculpei novamente e pedi que repetisse. Desta vez falou com mais calma, me explicando e não simplesmente repetindo o que já disse milhares de vezes.
A história era a mesma, leite para os irmãos. Eu devia ter uns dois reais além da grana pro bonde. Mas seria real a história?
Poderia realmente haver muitos irmãos abrigados sem teto em algum local protegendo-se do frio que insistia em encontrá-los na brincadeira sem graça de esconde-esconde. Famintos, aguardando o irmão chegar com um sorriso e um leite.
Entretanto, poderia apanhar meu dinheiro e queimá-lo dentro de uma lata em um tempo inversamente proporcional ao que demorei a conquistá-lo. E o resultado seria uma viagem meteórica, rápida e intensa, que estaria lhe implorando para que em dez minutos ele embarcasse nela novamente.
Olhei nos olhos e, como não poderia deixar de ser, me imploravam. Mas pelo quê? Tirar do meu bolso leite ou pedra?
Peguei o dinheiro e dei-o tentando transferir não apenas a finança, mas também, por meio do olhar a minha crença de que seria para o alimento. Se fosse para outros fins meu olhar não adiantaria de nada.
E adiantou?

quinta-feira, 21 de abril de 2011

João do foda-se

João andava meio fodido. Fodido da vida, fodido com a mulher, fodido de trabalho, fodido da cara, fodido de fodido. Já que cada vez mais se fodia resolveu da noite para o dia mandar tudo e todos se foderem, todos que queriam foder suas ideias. Instaurou para si o “dia do foda-se”.
O primeiro a receber um foda-se de bom dia foi o despertador. “Vai se foder. Vou dormir mais um pouco”. E o despertador logo tomou seu rumo, se fodeu ao encontrar a parede.
Naturalmente atrasado já planejava para onde encaminharia o patrão, mas não foi dessa vez, afinal mesmo atrasado o patrão ainda assim chegou depois dele. Ao chegar já foi pra cima de João todo esbaforido como sempre, cobrando coisas e dando-o cada vez mais, despejando trabalho em sua cabeça. Fosse apenas seu trabalho o chefe se safaria, mas o folgado há tempos se acostumou a dar para João o trabalho que seria seu, o que o deixava mais fodido e sem tempo para fazer o que realmente era da sua competência. Levantou-se e gesticulando disse, abrindo bem a boca, articulando sílaba por sílaba para que ficasse bem claro, um sonoro Vai-se-fo-der.
Com o chefe ainda atônito virou-lhe as costas e partiu rumo à lugar nenhum. Vagou com seu pensamento vago pela cidade e por uma tarde problema algum passou pela sua cabeça.
Foi até o bar tomar uma cerveja. Relaxou mais ainda. Tomava a cerveja devagar, sem preocupações.
O telefone toca, é a namorada. Ela reclama pelo fato de ele estar bebendo, como se não tivesse o direito. Mesmo tendo passado o final de semana juntos ela reclama que deveriam passar mais tempo. João aguarda calmamente ela terminar seu chilique diário e encerra a “conversa” com mais um “vai se foder”.
Ao pagar a cerveja ainda deixou um vai se foder para o amigo do bar acompanhado de um sorriso, que foi dado devido ao preço da cerveja.
Chegando em casa foi dormir relaxado. João continuava fodido, as contas não foram pagas, a vida fodida continuava a mesma. Mas se sentia muito melhor, retirando um peso de suas costas depois de mandar tudo para onde deveria ir.

terça-feira, 5 de abril de 2011

O encontro

Ele passava distraído (como sempre) quando uma mão o tocou. Instintivamente olhou para o lado. Paralisou o corpo. Disparou o coração. A memória afetiva lembrou ao corpo de tudo que (não) passaram juntos.

Era ela. Ela que durante anos foi a mulher da sua vida. No imaginário, mas foi. Depois da faculdade nunca mais se viram e lá se iam cinco anos.

Ela também alimentara uma paixão por ele. Conversavam, saiam juntos, faziam trabalhos juntos e até o trabalho de conclusão de curso dividiram. Mas nada de concreto aconteceu. A timidez dela era ainda maior que a dele e creio que foi isso que impediu o romance. Mas agora estavam ali, mais maduros, frente a frente.

Ficou congelado por cerca de três segundos e após sorriso de ambos conseguiu dizer um empolgado oi. Abraçaram-se. “E aí o que está fazendo? Está indo aonde?”. A conversa seguiu o padrão do encontro com qualquer outro ex-colega. Mas não eram meros conhecidos.

A conversa fluiu e foram até um bar nas proximidades de onde se encontraram. Recordaram o passado e atualizaram o presente, exceto aquilo que ambos gostariam de saber: a situação conjugal.

Queriam aproveitar o momento, poderia ser único e decisivo. Após algumas cervejas ele criou coragem e conseguiu perguntar. Mas a resposta fez sua empolgação se esvair. Ela estava namorando. Aquilo demorou a ser processado. Apesar de ele também ter namorada, havia um sentimento possessivo de que ela não poderia ser de mais ninguém além dele, mesmo nunca tendo sido.

Ela também o questionou. Após a pergunta derradeira o clima não foi mais o mesmo. Ele tinha vontade de saber mais sobre o tal namorado, mas ficaria com tamanho ciúmes que preferiu não perguntar. A curiosidade dela foi mais forte. Quanto tempo, como, quando, quem. Perguntou.

Conversaram mais um pouco e apesar de ambos desejarem ficar mais tempo, muito mais, ele encontrou uma brecha para justificar que fossem embora. Pagaram a conta e despediram-se com um forte abraço. Trocaram telefones, apesar de saberem que jamais ligariam estando namorando, e foi cada um para seu lado.

Ao virarem-se o primeiro pensamento dele foi “merda”. Quatro passos adiante e ela o chama e diz:
- Bruno, eu te amo.
A breve raiva que sentia de si, por ter deixado seu amor escapar, foi amenizado. Assustado e arrepiado, disse:
- Eu também te amo Carlota.

Voltaram. Abraçaram-se novamente e foram embora. Cada qual para seu namoro.