sexta-feira, 24 de julho de 2009

Abrem-se as cortinas

Após preparação, ensaios, aquecimento, conversas, brigas, estudo, quando acendem as luzes e abrem-se as cortinas está tudo na mão dos atores.
O diretor, o principal responsável pela peça, tem que se segurar, rezar, agoniar, rir, chorar, espernear, mas fazer tudo longe do palco. O sucesso ou o fracasso irá recair sobre as suas costas, a pessoa que não pode influir no decorrer do espetáculo.
Se quiserem os atores podem zoar o quanto quiserem. Podem sacanear uns com os outros, podem fazer piadas, felizes ou infelizes, em meio ao texto (botar cacos). Qualquer deslize do diretor pode ser vingado durante a peça.
O medo está presente em todos. O branco assombra. Ao olhar aquela platéia, a parcela que a luz forte possibilita enxergar, não há quem não sinta as pernas tremerem. Os olhares atentos direcionados ao palco têm poder estremecedor. E tudo está nas mãos dos atores.
Aquele olhar, abraço e beijo antes da peça pode ser decisivo. O que pode evitar um vexame é a confiança. A fala sincera “confio em você” faz com que tudo ocorra bem, tanto no teatro quanto no futebol.

Obs: Texto criado após Cuca ser derrubado pelos próprios jogadores do Flamengo, após o atacante Dentinho mostrar uma camisa escrita “
100% Lulinha” na rodada do campeonato brasileiro desta noite, e depois de eu assistir à mini-série Som e Fúria (nesta ordem).

terça-feira, 7 de julho de 2009

Decisão errônea

A decisão foi tomada à contra gosto de João, e principalmente de Madalena. Mas não tinha jeito, ela teria que usar.
O consenso surgiu após uma das milhares de discussões depois que João voltou de viagem. Ele era caminhoneiro e passava a maior parte do tempo viajando. Ao chegar de suas excursões encasquetava que Madalena estava o traindo. Dona de casa, Madalena dificilmente saía do lar e passava a maior parte do tempo fazendo seus crochês, bordados e tricôs, tendo como únicos companheiros a TV e o rádio. Era uma mulher que dificilmente alguém desconfiaria, exceto João. Lena jurava de pés juntos que não traia, mas para João ela não era convincente.
Apesar de invocar com Lena, João a chifrava à exaustão durante suas viagens. O peito peludo e o braço esquerdo bronzeado eram mais um dos milhares que podiam ser vistos nas casas de luz vermelha. Aquela regata apertada que deixava transparecer sua forma física e o boné que parecia flutuar na cabeça eram reconhecidos e saudados pelos gerentes nas casas de mulheres da vida. Enquanto isso Lena se ocupava com os afazeres domésticos e a sua novelinha.
Para encerrar de vez mais aquela discussão Lena falou da boca pra fora: “João, pára de me encher hôme. Se precisá eu uso até um cinto de castidade quando você for viajar”. E ele aceitou a proposta. Esse foi o resultado daquela D.R., que prometia ser a última.
Sabe-se lá como, mas João conseguiu o cinto, em pleno séc. XXI. Era de couro, com cadeados nas extremidades. A colocação foi constrangedora para ambos. Mas era necessário (pelo menos na cabeça de João). Assim ele não ficaria com a pulga atrás da orelha quando viajava e Lena não iria ter que agüentar a desconfiança.
João a abraçou, beijou e pegou a estrada. Ao entrar no caminhão fez a sua oração, beijou o crucifixo e a imagem de São Cristóvão.
Ele que deixava algum dinheiro na beira das estradas naquela viagem nada fez. Foi uma das únicas vezes que voltou para casa sem visitar as suas meninas (suas e de milhares de caminhoneiros). A consciência pesou. Não era justo trair enquanto a coitada da Madalena estava com aquele incômodo objeto. Dormiu todas as noites agarrado à foto do casamento.
Madalena encarou com naturalidade. A novela e o crochê continuavam os mesmos. Mas lá pela terceira semana bateu a revolta. Como podia ela, mulher fiel, se submeter a tal desconfiança? Tomou coragem, e muita, mas traiu João pela primeira vez.
Sorte do chaveiro.