sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A prisão

A hora não passa. Esse tik tak me deixa louco. Repetitivo, como todos os dias, mas necessário. Sem o relógio não vejo quanto tempo passa realmente, apesar de parecer não passar.

O horário é uma das poucas conexões que tenho com o mundo externo. Lá e aqui o tempo real é o mesmo.

Grades nas janelas e a porta sempre fechada fazem com que muitas vezes não só o meu corpo esteja aqui, mas também meu pensamento. Não consigo pensar lá fora e sou obrigado a me ater aqui.

O carcereiro também deve passar por isso. Ele fica andando pelos corredores olhando aqui pra dentro enquanto nós olhamos lá pra fora. Somente quando estou próximo à janela é que deixo o pensamento sair.

Os demais prisioneiros também ficam como eu, com uma cara de nada. Expressando exatamente aquilo que fazem: nada.

Tanta gente com tanto tempo “disponível” que acabam usando todo esse tempo para esperar o tempo passar.

Demora, mas ele passa... BLÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉH...finalmente tocou o sinal!

É hora do recreio.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O Quase Flerte - Por Alexandre Fernandes

Ele não queria estar ali. Era dia de jogo da Portuguesa
Ela sim. Nem ligava muito para futebol.
Ele não se sentia a vontade.
Ela estava à vontade.
Ele bebia cerveja.
Ela caipirinha.
Ele a percebeu primeiro.
Ela não demorou muito e percebeu que ele estava olhando.
Ele ficou sem jeito.
Ela percebeu isso também.
Ele tentou disfarçar.
Ela sorriu.
Ele sorriu e improvisou um brinde à distância.
Ela convida para uma conversa.
Ele foi ao seu encontro.
Nesse meio tempo começa a tocar a música do "tchetcherere tche tche".
Ela olha para a amiga e diz "Adoro essa música".
Ele ouve o que ela disse e desvia o caminho.
Ela não entende.
Ele não suporta aquela música.
Nunca mais se viram.

Fim

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Nessa semana o Di-Vagá recebe a colaboração ilustre do grande Alexandre Fernandes, O Kibe (@alexxfernandes).

Kibe é sócio-fundador do extinto blog Dois Copos, que de certa forma me levou a criar o Di-Vagá. Atualmente o Sr. Fernandes é um dos responsáveis pelo site http://www.allejo.com.br

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O amor é mudo

Olhavam-se todo momento. Alguns segundos chegavam a se olhar fixamente até que um dos dois desviava o olhar. Ela se levantou e antes de partir deixou um papel com seu nome e telefone.

Quando ela se aproximava a vergonha e o nervosismo também vinham. Ele ficou feliz pela atitude dela e em partes, também ficou feliz por ela não ter dito nada. Na mesma noite mandou uma mensagem, que ela respondeu de bate-pronto. Desenrolaram uma longa conversa por mensagem por toda a noite.

Pelas redes sociais conheceram-se um pouco melhor (ou ao menos as aparências que ambos buscavam passar). Conversavam frequentemente pela internet.

Passaram a ter um romance. Muitas mensagens de amor de ambos os lados. Estavam realmente apaixonados. Havia confiança e um quê de inocência naquele amor em tempos de internet. Comprometeram-se tendo se visto apenas uma vez e jamais conversado, mas o namoro virtual havia de se tornar carnal. A hora foi marcada na casa dela.

Cumprimentaram-se aos beijos e logo deixaram transbordar todo amor represado, transmitido até então por meio de cabos.

Beijando-se foram para o quarto e lá concretizaram o que ambos desejavam.

Nenhuma palavra.

Assim a menina fanha e o garoto gago conheceram o amor que nunca tinham tido.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

O juiz supremo

Era bela. Tinha um olhar inocente, rosto jovial, uma boca pequenina e um corpo que parecia desenhado por cirurgiões plásticos, mas era cria apenas da natureza humana (e lapidada na academia). Sem dúvida alguma era muito bela. Mas seu caráter era o de uma bela de uma filha da puta.

Sua principal “virtude” era a falsidade. Conseguia negar com seu doce olhar e a expressão de um desenho animado dos mais meigos aquilo que todos sabiam ser uma trapaça. Fazia-o com a naturalidade de quem peida ao estar sozinho. E convencia. Fazia-se de inocente e por vezes fingia estar ofendida, virando o jogo.

Seu corpo era instrumento de manipulação. Seduzia a quem pudesse ser seduzido fisicamente para que fizesse algo em seu benefício.

A simpatia era outra de suas formas de conquista. Sorria para todos. Fingia dar atenção e carinho. Ao conquistar algo dava apenas as costas.

A boca era sua principal arma. Por trás acontecia sua trama. Jogava um contra outro enquanto no meio de campo se sobressaia. Pela frente dava apenas elogios, fazendo seu ilusionismo. Na distância a doce língua transformava-se em metralhadora.

Não bebia e não usava drogas. Só os fazia quando estava acompanhada unicamente do namorado, igualmente falso. Saia bastante, quase todos os dias. Concentrada na armação deixava que os outros bebessem e aí, maleáveis, convencia-os.

Passava dias e noites tentando alcançar o topo, utilizando seres humanos e suas frágeis humanidades como escada.

Mas ao final da noite, mesmo exausta por tanta tramóia, não conseguia dormir. Era a hora da ação do juiz supremo: o travesseiro.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Linha a linha


O ônibus pára, mas a leitura continua.
Distraído. Estava mais dentro do livro que do ônibus. A história o levava para um mundo distante, o ônibus o transportava apenas até sua casa.
A porta se abre e o alerta de “parada solicitada” se apaga.
O livro parecia novo. Grosso. Bonito. Parágrafos bem espaçados. Não segurava o livro, apenas o apoiava nas mãos. Isso foi providencial.
Com a abertura da porta o vento entra e, com a mesma velocidade, um homem sai. Antes de sair interrompe a viagem do leitor. Apanha o livro e sai correndo.
O agora ex-leitor fica embasbacado até voltar para o mundo real e perceber que seu livro foi levado. Até se levantar e olhar pela janela o ladrão já estava na esquina.
Não sabe como reagir e na dúvida não o faz. Dá apenas um riso nervoso aos que o olham.
Nem a mão de quem o tirou do mundo das letras pôde ver, menos ainda o rosto de quem estava, na realidade, apenas fazendo um empréstimo.
Não queria montar uma biblioteca. Depois de apreciar o livro o abandonava em algum ônibus, geralmente na mesma linha em que tinha feito o furto, na esperança que o subtraído o reouvesse.
O habito começou há cinco meses. No primeiro ficou extremamente nervoso. Correu sete quadras até chegar em casa. Empalidecido cuspia os pulmões e alguns cigarros.
- O que foi?- perguntou a mulher. – Um roubo- Quem te roubou? Aonde? Você está bem? – O nervosismo maior passou para a mulher. Recuperou o fôlego e a explicou que havia sido ele o “furtador”.
A mulher ficou com raiva e meio sem entender. Depois passou a apoiá-lo com o aparecimento frequente de livros em casa.
Quando chegava com um deles era como se chegasse com carne. Alegria total. Se depois percebessem que era auto-ajuda, espiritismo, empreendedorismo ou técnico já o devolvia à linha no dia posterior.
Não tinha distinção. Roubava todos. Afinal, queria ser como eles. Queria ser um leitor como toda aquela gente.
E ninguém iria culpá-lo. Ninguém iria chamar a polícia e nem mesmo o reconheceriam.
Ele vestia-se como a maioria. Calça jeans e camiseta. Dentro da mala a marmita vazia, uma toalha de banho e itens de higiene. Sabia que aquilo não era um bom exemplo para o filho, mas o explicou que não poderia comprar e nem mesmo fazer cadastro em uma biblioteca.
O filho, como a mulher, estranhou no início, mas compreendeu e a cada noite em que o pai chegava o recebia com atenção quando ele com um olhar dócil após o jantar o pedia:
- Filho, lê pra mim.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O fanfarrão

Sem dúvida era um grande gozador. Nunca vestiu um terno na vida. Nem uma camisa social. Sequer uma pólo.

Até pra trabalhar era mais comum vê-lo de camiseta, bermuda e chinelo. Isso que era o patrão. Os funcionários ficavam putos com aquilo. “O cara ganha muito mais que eu, trabalha muito menos e anda vestido daquele jeito. Trabalhar pra um cara assim é foda”.

Se por um lado despertava a ira por outro era adorado pelos mesmos funcionários. Não tinha como não gostar dele. Sempre simpático e atencioso. Só quando era obrigado pelas circunstâncias a trabalhar cedo em plena ressaca é que não era lá aquele poço de simpatia, mas nunca deixou de tratar a todos educadamente.

Pedia uma coca-cola, um café e um engov para a secretária. Trancava-se na sua sala e de lá saia depois de meia-hora como se estivesse novo de novo. Ninguém sabia o que fazia lá dentro para voltar assim, entrava um trapo e saia novo. Talvez comesse a secretária lá dentro pra sair assim tão feliz. Também, traçar aquela gostosa deixaria até o José Serra com um sorriso de orelha a orelha.

Depois do ritual saia fazendo piada com tudo e todos. Alguns perguntavam como ele agüentava beber todos os dias e às vezes trabalhar no dia seguinte. Ele sorria e respondia: “Se não guenta beber não bebe. Eu bebo por que sei que tenho cu pra trabalhar”. “Além do mais...”, continuava, “Não posso deixar o trabalho atrapalhar meu alcoolismo”. E ria. Ria sempre. Toda hora. Às vezes fazia um ar de sério quando ia entrevistar alguém para alguma vaga, mas era só mais uma piada. Deixava o entrevistado enrolado e logo largava a gargalhada.

Vivia rindo e ria vivendo. Um dia parou de rir, ninguém sabe por quê. Mas ainda assim deixou uma última sacanagem.

“Quero ser enterrado de bermuda e camiseta. Jamais de terno e gravata. Com uma roupa assim vão achar que tô morto”, dizia a carta. Entretanto, antes de disparar contra a própria cabeça trajava roupa social. “Tô vestido assim só pra dar mais trabalho”. Ponto final.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A lobisomem

Algo a atrai para fora. Sentia-se encalorada e o chamado constante parecia mais forte. Mas não sairia de casa sozinha, a esmo. No princípio não sabia o que era, mas em uma noite dessas descobriu: era a lua. Lua cheia.

Não sabia quando começou, mas agora era freqüente. Em noites enluaradas um comichão a atacava. A lua parecia a puxar com uma corda para sair e fazer algo. Se fosse realmente por meio de uma corda que a lua a atraia, havia um gancho engatado diretamente na vagina de Josiane. E era justamente lá que seria engatada nessas noites.

Tinha 25 anos. Seus cabelos levemente ondulados iam até o meio das costas. Pele morena, lisa, parecia não ter poros. Seu corpo era belo, não artificialmente como corpos de academia, mas moldado naturalmente. Bochechas minimamente grandes e carregava um eterno sorriso fácil e sincero.

Era reservada, tímida, mas entre amigos se revelava despojada. Tivera apenas um namoro, que pouco durou. Não ficava com qualquer um e não dava entrada para que tentassem. Mas naquelas noites se transformava.

Pela manhã o corpo já agia diferente. Agitada. Quando começava a escurecer olhava para o céu e já estava plenamente decidida: naquela noite iria dar.

Percorria a agenda e localizava o alvo. Começou com aqueles com quem tinha mais intimidade, depois era qualquer um. Ligava e chamava para sair. Ao colocar o corpo para fora a atmosfera lunar parecia sugar toda sua inocência.

Em muitos casos nem saia da frente de casa. Ali mesmo, no carro, atacava o rapaz. Quando conseguia se controlar um pouco saia e posteriormente iam para um motel. Mas tinha sua exigência: motel com teto solar.

Revezava os homens. Caso contrário iriam pensar que ela queria algo sério. Os conhecidos se esgotavam e agora ia com qualquer um. Saia do trabalho e ia para o bar mais próximo. Um rápido olhar era o suficiente para o ataque.

No outro dia nada de telefone, nada de mensagem, nenhum contato. Isolava-se o máximo e refletia por que havia feito aquilo, mesmo já sabendo. Ficava com a consciência pesada, mas logo passava.

Em certa ocasião não conseguiu tranqüilizar-se tão facilmente. Engravidou da lua cheia. Entorpecida de álcool e tesão não lembrava quem foi a vítima.

Numa noite de lua cheia seu filho nasceu. Tinha mais pêlos que o comum. Seu choro parecia um uivo.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O jovem e o senhor

Foi ao centro acompanhar o amigo ao dentista.

Disse que era “rapidinho”, mas a demora o levou de volta à rua. Não agüentava ficar na sala de espera. Se já saiu de casa por não ter o que fazer por que ficaria ali?

Foi até uma praça próxima ao consultório. Em menos de cinco minutos sentado no banco aproximou-se um senhor.

- Posso sentar aqui ao seu lado?

Pensou em dizer “Pode né porra, essa merda desse banco não é meu”, mas respondeu apenas um “aham”.

- Vi você andando ali na rua. Parou para dar uma descansada?

- Pois é.

- Como é seu nome?

- Fábio.

- Prazer Fábio, me chamo Altair.

“E eu com isso porra? O que que esse velho quer?”. Não gostava muito de conversar, menos ainda com estranhos.

- Vem sempre aqui o centro? O que está fazendo agora? Está com alguém? O que você faz?

O senhor o enchia de perguntas, que eram respondidas com a maior brevidade que seu vocabulário permitia.

O senhor dissera ser um funcionário público federal aposentado e que estava sempre naquela região. “Gosto de conversar com gente assim como você”.

“Papo estranho”, pensou. Em intervalos de tempo cada vez menores olhava o relógio e nada do amigo.

Entre assuntos pessoais, futebol, clima surge um “vamos ali naquele bar tomar um chopp? Eu pago”.

Demorou a responder. Aquela conversa o deixou extremamente irritado “e o cara ainda quer tomar um chopp? Por que ia pagar assim, sem mais nem menos?”.

Mas, pensou por outro lado, já que teria que esperar o amigo, tomar um chopp seria uma boa. Não é todo dia que se ganha algo.

- Vamo ali, vamo ali.

Haviam mesas disponíveis, mas ele rapidamente sentou-se no balcão para evitar muita intimidade.

Sentou-se de frente para a televisão onde grudou o olhar mesmo sem nada ouvir. O homem continuava tentando manter o diálogo. Às vezes não respondia propositalmente fingindo não ouvir, mas a estratégia não funcionou. Com isso o sexagenário o tocava para chamar sua atenção. Se já não gostava de conversar ser tocado então...

Resolveu olhá-lo apenas para responder. Os chopps, perguntas e afirmações vinham um atrás do outro e ele já conversava um pouco mais.

Mandou uma mensagem ao amigo e a resposta não o agradou. “Mano, foi mal. Saí do dentista e vc naum tava la. Achei que tivesse vazado, daí vim embora também”. Já que estava ali bebendo gratuitamente resolveu ficar mesmo assim.

Ele estava virado para o balcão e o homem para ele. Paulatinamente direcionava um pouco mais de atenção. Olhava mais, as respostas vinham com um complemento após a afirmação ou negação e às vezes arriscava até um “e você?”.

15 chopps depois de chegarem ao bar já estava meio bêbado, mas o suficiente para perceber isso.
“Falou aí tiozão. Deu minha hora já”. Virou as costas e foi embora.


E o senhor ficou chupando o dedo. Apenas o dedo.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Amor adolescente

Estava nervoso, muito nervoso.

Já tinha beijado antes, mas aquele era como se fosse o primeiro.

Estava tão nervoso que seu estômago emitia alguns grunhidos. Ficava ainda mais nervoso com remorso de que ela imaginasse que estivesse arrotando.

A mão suava. Não sabia ao certo como fazer. Não sabia se a agarrava com força e colocava a língua até onde pudesse ou então adotar um tom mais romântico.

Queria muito saber quantos anos ela tinha. Não perguntaria, mas precisava saber. Tinha certeza que era mais velha. Provavelmente todos ali eram mais velhos.

Era apenas a segunda vez que tinha ido ao baile. Sentiu-se muito inseguro na primeira vez. Não sabia se colocava as mãos nos bolsos, ou cruzava os braços. O fato te der mãos o embaraçava. Na dúvida ficou encostado no bar tomando refrigerante. Não se largava à bebida como muitos da sua idade.

Já na primeira vez ficou olhando ao longe a mocinha. Hoje já foi decidido a tirá-la para dançar. Ela demorou para responder, mas com um sorriso deu-lhe a mão. Dançaram, conversaram e agora beijavam.

Seu coração acelerava. Chegou a sentir medo de um ataque cardíaco. Os seus amigos não iriam acreditar. Estava ansioso para poder contar.

Ela cortou o beijo. Ele ficou sem reação, não sabia o que falar ou dizer. Convidou-a para ir até uma mesa. Ficaram conversando por um bom tempo.

De pouco em pouco o salão se esvaziava. Uma amiga dela veio até eles:

- Vamos embora.

- Que horas são?

- Já são quase 5h30.

- Nossa, tá tarde. Vai indo que eu já vou.

Beijaram-se mais um pouco. Não trocaram telefone ou nada de muito pessoal, talvez por vergonha ou falta de iniciativa. Mas marcaram de se encontrar ali na próxima semana.

Ele foi em direção à porta como um vencedor. Orgulhoso. Peito estufado. Empolgado. Sorridente. Lá fora o dia já começava a escurecer.

Sua filha já o aguardava na porta quando saiu do baile da terceira idade.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A porta

São quase 4h e ainda preciso escovar os dentes e mijar antes de dormir. Que preguiça. Nessas horas queria muito morar em uma das suítes da república/ pousada/ sei lá o quê.

Tenho que passar por aquele corredor. A república não é uma construção fechada. O meu quarto é o último da galeria que desemboca na sacada. Ali é mole de qualquer um subir. Encontrar alguém pelo caminho pode ser muita sorte ou muito azar.

Do lado esquerdo passo por quatro quartos, do direito tem uma suíte à minha frente e depois a escada, que é o ponto mais escuro do corredor obscuro. Se tiver alguém ali nem vejo. Prefiro passar rápido e nem olhar.

O banheiro que uso é o segundo depois da escada, mas tá entupido há mais de duas semanas e a administração não faz porra nenhuma. Assim, uso o primeiro, que é de “propriedade” de uma guria que nunca vi, mas sei que é uma xarope.

Na verdade não vi muita gente. Nesse tempo que moro aqui só conheço o Tavares, um cara com cabelo branco que deve ter uns 40 anos. Gente fina o Tavares.

E tem também a Bahiana. Bahiana chata do caralho. Tenho raiva dela de tão chata que é. Quando ouço sua voz me seguro para não ir ao banheiro e arriscar encontrá-la. Não é coisa de curitibano, é? Se for também foda-se. O que importa é não arriscar encontrá-la.

Escovo os dentes e urino. Volto para o quarto. Desligo minha companhia e acendo outra, o computador e o cigarro, o último pré-nupcial.

Deixo o “cinzeiro” (uma lata de batata Stax) ao lado da cama. Termino de fumar e durmo. To pregado. Mal fecho os olhos e já começo a sonhar.

Sonho o que passei há pouco: o simples fato de ir ao banheiro, mas a volta não é tão tranqüila como quando estava acordado.

Quando vou fechar a porta uma mão me impede. Estou atrás da porta e alguém a empurra com força querendo entrar. Não consigo ver quem é, o rosto parece embaçado.

Continuamos nosso cabo de força inverso. Tento empurrar com os pés, mas não adianta. Empurro com toda a força...

Acordo.

Estou com a respiração ofegante, como se estivesse realmente empurrando a porta. Depois do susto resolvo me certificar de que a porta estava trancada.

Não estava.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Os mundos

Curitiba, 4 de Julho de 2011. 22h. 4°.

A neblina que toma conta da cidade a torna um cenário parecido com o acampamento Crystal Lake.

Embaixo de uma marquise na Marechal Floriano, entre a André de Barros e a Visconde, um rapaz tenta dormir cobrindo-se apenas com uma manta. Não tem nome, não tem identidade. É apenas um número para a Fundação de Ação Social. Na rua é conhecido como Pézão.

Um jovem passa por ali rumo ao ponto de ônibus. Veste-se com três blusas e ainda assim sente frio. Ao passar por pézão inexplicavelmente sente ainda mais frio, mas não exterior. Ao chegar na esquina ele retorna. Tira uma das blusas, acorda o morador de rua e diz: “Tomaí brother, cê precisa mais que eu”. Pézão apenas balbucia um obrigado.

O mundo de Pézão mudou. Tornou-se menos frio.

Na maternidade Nossa Senhora de Fátima, após três horas de trabalho de parto, uma menina suja sai do meio das pernas de Amanda, que com um ar de alívio dá um largo sorriso ao olhar a garota. O pai abraça com força o sogro. A criança chora e a mãe vê.

O mundo de Maria começou.

Com um quarto de século Alessandro Albergoni, filho de Valdo Albergoni e Rosa de Souza se tornou uma vítima do tráfico.

O mundo de Alessandro acabou.

E o mundo continuou o mesmo para o resto do mundo.

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Novidades:
Neste mês de Festas Juninas atrasadas tive a honra de ser um dos colaboradores do Jornal Relevo. Confiram o Jornal na íntegra no endereço

http://letrasnumcanto.com.br/2011/07/relevo-11-integra/

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O tempo (não) passa

Teve outros corpos, outras namoradas, outros casos, mas ninguém foi igual. Ela também teve outros.

Cinco anos se passaram. Um namoro para ambos. Ele procurava evitá-la. Sofreram ambos, com o namoro e com a separação, mas sofria(m) mais afastados.

Após vagar por outras sentia cada vez mais que era ela quem queria. Somente ela o completou. Só podia dar certo com ela novamente. O tempo afastado serviu para mostrá-lo o quanto foram felizes juntos. E essa felicidade poderia se repetir?

Soube que estava solteira. Ligou. Será que o número ainda era o mesmo? Por um instante quis que ela não atendesse.

Olhou o número no identificador e sabia que conhecia, demorou alguns instantes para lembrar-se quem era. Nem tinha mais na agenda. Ficou surpresa ao lembrar.

Atendeu. Ele propôs um encontro e ela aceitou.

Após uma longa conversa, tocou-lhe a mão e foi ao ponto que desejava, mesmo com algumas dúvidas.

A resposta demorou cerca de um minuto. Mas parecia a eternidade. Sentiu vontade de correr, mas já que perguntou teria que esperar a resposta. Suava frio. Aquele tempo de reflexão dela fazia com que o tempo não passasse...

























































































...Beijaram-se. Voltaram.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Lembrança e lambança

A pequena calcinha de renda aparecia para quem quisesse ver. A rua era calma e ninguém passava ali àquela hora, no momento em que despreocupadamente fazia as unhas dos pés com as pernas abertas na suposta privacidade do quarto, no segundo andar.

Na casa do outro lado da rua um mocinho a observa por trás da cortina. Foi a primeira vez que viu uma calcinha. Assim, ao vivo, sem ser a da mãe ou da irmã. Estava deixando a infância para trás e chegava a pré-adolescência, apesar de já se considerar um adolescente completo e odiar quando alguém mais velho o chamava de criança.

Ela cuidava das unhas com muita atenção. Deveriam estar belas para exibir para todos e todas na faculdade. Já passara dos 18, portanto era considerada (ao menos legalmente) adulta, morava com os pais e não tinha preocupações financeiras, dedicava-se apenas à vaidade. E um pouco à faculdade.

Ele até se interessava por algumas meninas da escola, mas daquele momento em diante a vizinha, suas grossas coxas e sua pequena calcinha o conquistaram. Sua paixão passou a ser a mulher da janela.

Sentiu que alguém a olhava, seu olhar percorreu a rua e nada. Procurou o olho e encontrou. “Caralho. Não acredito que aquele piá de bosta tá olhando minha calcinha”. Fechou a cortina.
A alegria do menino foi breve, mas a cena ficou na sua memória por muito tempo. Depois disso, ficava cada vez mais tempo olhando para fora. A janela passou a atraí-lo mais do que os carrinhos.

Quase um ano após a pintura da cena em que pintava as unhas ele a viu vestindo apenas uma toalha enquanto ia buscar uma blusa no varal. Já havia beijado e estava próximo de perder a virgindade. A paixão e o tesão platônico voltaram com tudo.

Passado algum tempo ela se mudou, para tristeza dele. Os vizinhos disseram que a família foi morar em outra cidade, pois o pai arrumou trabalho por lá. Ele nunca mais a viu, mas ainda lembra-se dela vez em quando. Nunca a imaginou sendo mais velha. Eternamente ficou na sua memória daquele jeito, com as unhas bem feitas e a calcinha preta. E muitas, mas muitas vezes, imaginava-a sem ela.

Passados 30 anos ela ainda é inspiração e motivo para suas punhetas.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Infeliz felicidade

“Toda mulher, após trinta dias de felicidade, sente fome e sede de desgraça.”
Antônio Maria


Sentia tudo, menos felicidade. Ódio acima de tudo.

Todos os trejeitos dele que antes adorava agora a traziam raiva. Cada piadinha sem graça fazia com que ela se sentisse aliviada por não estar com uma faca na mão.

Não agüentava mais, mesmo sendo o casal perfeito aos olhos e bocas alheios. Se aquilo era perfeição ela não a queria mais, queria apenas a felicidade.

Guardadas as proporções humanas, ele realmente era perfeito. Tudo aquilo que ela e outras buscam ali estava. Era gentil, educado, atencioso, a tratava bem e lhe dava carne na mesa e na cama.

Com relação ao sexo mantinha o mesmo vigor de sempre, mas ela não sentia mais atração.

Não pensava nem cobiçava outro. Simplesmente queria terminar. Mas não tinha nenhuma justificativa para fazer isso. Como uma criança mimada ao ter aquilo que sempre quis passou a não mais querer.

Certo dia pensou em falar e acabar com tudo definitivamente. Planejou o dia inteiro. E não é que o filho da puta me chega em casa sem mais nem menos com um buquê de flores. E daí ia falar como?

A infelicidade disfarçada se arrasta cada vez mais até se inverter. Sem mais nenhuma alternativa ela mata sua fome e sede de desgraça. Torna-se a desgraça ao se matar. Deixou um bilhete:
“Não era você. O problema era eu”.

Com lágrimas escorrendo ele pensa: “Será que se tivesse contado que chifrava ela isso não teria acontecido?”

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Corações partidos

Com um sorriso esticou a mão e perguntou:

- Quer um doce?

Ela com sua doce timidez apenas balançou a cabeça positivamente.

- Vem cá buscar.

Ela andava devagarzinho, com a velocidade que o tamanho de suas pernas, crescidas ao prazo de apenas quatro anos, permitiam.

A pegou e levou para dentro de casa. Na garagem entregou os doces. Ela tentou sair, mas ele a segurou e colocou no colo, “mas tem que comer aqui”.

Tinha pouca idade, mas na escuridão daquela garagem, naquele momento, passaram-se anos. Não apenas para ela, mas para muitas crianças. Ali perdeu uma parte da infância. Ele, em alguns instantes, perderia a vida.

Uma vizinha viu quando a menina entrou na casa. Não conseguiu avisar a mãe a tempo de evitar, mas avisou. Pegou uma grande faca, que amolara muitas vezes pensando nesta possibilidade. “Se aquele filho da puta chegar perto da minha filha...”.

Chegou à casa do homem. A filha chorava e antes que ele pudesse falar algo cravou a faca no meio do peito. Certeira no órgão que bombeava sangue para o corpo. Morreu antes de poder sentir a frieza da lâmina.

O dia das mães se aproximava e não pode celebrar como planejou, mas não se arrepende. “Se precisasse mataria de novo para que esse pedófilo não faça isso com mais nenhuma criança”.

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Texto tardiamente referente ao dia 18 de Maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.


Inspirado na matéria "Mãe de vítima mata a facadas estuprador da filha", do site Bem Paraná no dia 06/05.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

2 R$

Com a mão esticada falava algo e recebia apenas balanços de cabeça como resposta. Vinha em minha direção.
Quando chegou logo começou a falar como se não percebesse que eu estava no mundo do meu fone ou até percebeu, mas falou mesmo assim, já esperando não ganhar aquilo que esperava.
Tirei calmamente o fone, lhe pedi desculpas e que repetisse. Veio o discurso. Na transição dos mundos fiquei meio atordoado e acabei por não ouvi-lo. Me desculpei novamente e pedi que repetisse. Desta vez falou com mais calma, me explicando e não simplesmente repetindo o que já disse milhares de vezes.
A história era a mesma, leite para os irmãos. Eu devia ter uns dois reais além da grana pro bonde. Mas seria real a história?
Poderia realmente haver muitos irmãos abrigados sem teto em algum local protegendo-se do frio que insistia em encontrá-los na brincadeira sem graça de esconde-esconde. Famintos, aguardando o irmão chegar com um sorriso e um leite.
Entretanto, poderia apanhar meu dinheiro e queimá-lo dentro de uma lata em um tempo inversamente proporcional ao que demorei a conquistá-lo. E o resultado seria uma viagem meteórica, rápida e intensa, que estaria lhe implorando para que em dez minutos ele embarcasse nela novamente.
Olhei nos olhos e, como não poderia deixar de ser, me imploravam. Mas pelo quê? Tirar do meu bolso leite ou pedra?
Peguei o dinheiro e dei-o tentando transferir não apenas a finança, mas também, por meio do olhar a minha crença de que seria para o alimento. Se fosse para outros fins meu olhar não adiantaria de nada.
E adiantou?

quinta-feira, 21 de abril de 2011

João do foda-se

João andava meio fodido. Fodido da vida, fodido com a mulher, fodido de trabalho, fodido da cara, fodido de fodido. Já que cada vez mais se fodia resolveu da noite para o dia mandar tudo e todos se foderem, todos que queriam foder suas ideias. Instaurou para si o “dia do foda-se”.
O primeiro a receber um foda-se de bom dia foi o despertador. “Vai se foder. Vou dormir mais um pouco”. E o despertador logo tomou seu rumo, se fodeu ao encontrar a parede.
Naturalmente atrasado já planejava para onde encaminharia o patrão, mas não foi dessa vez, afinal mesmo atrasado o patrão ainda assim chegou depois dele. Ao chegar já foi pra cima de João todo esbaforido como sempre, cobrando coisas e dando-o cada vez mais, despejando trabalho em sua cabeça. Fosse apenas seu trabalho o chefe se safaria, mas o folgado há tempos se acostumou a dar para João o trabalho que seria seu, o que o deixava mais fodido e sem tempo para fazer o que realmente era da sua competência. Levantou-se e gesticulando disse, abrindo bem a boca, articulando sílaba por sílaba para que ficasse bem claro, um sonoro Vai-se-fo-der.
Com o chefe ainda atônito virou-lhe as costas e partiu rumo à lugar nenhum. Vagou com seu pensamento vago pela cidade e por uma tarde problema algum passou pela sua cabeça.
Foi até o bar tomar uma cerveja. Relaxou mais ainda. Tomava a cerveja devagar, sem preocupações.
O telefone toca, é a namorada. Ela reclama pelo fato de ele estar bebendo, como se não tivesse o direito. Mesmo tendo passado o final de semana juntos ela reclama que deveriam passar mais tempo. João aguarda calmamente ela terminar seu chilique diário e encerra a “conversa” com mais um “vai se foder”.
Ao pagar a cerveja ainda deixou um vai se foder para o amigo do bar acompanhado de um sorriso, que foi dado devido ao preço da cerveja.
Chegando em casa foi dormir relaxado. João continuava fodido, as contas não foram pagas, a vida fodida continuava a mesma. Mas se sentia muito melhor, retirando um peso de suas costas depois de mandar tudo para onde deveria ir.

terça-feira, 5 de abril de 2011

O encontro

Ele passava distraído (como sempre) quando uma mão o tocou. Instintivamente olhou para o lado. Paralisou o corpo. Disparou o coração. A memória afetiva lembrou ao corpo de tudo que (não) passaram juntos.

Era ela. Ela que durante anos foi a mulher da sua vida. No imaginário, mas foi. Depois da faculdade nunca mais se viram e lá se iam cinco anos.

Ela também alimentara uma paixão por ele. Conversavam, saiam juntos, faziam trabalhos juntos e até o trabalho de conclusão de curso dividiram. Mas nada de concreto aconteceu. A timidez dela era ainda maior que a dele e creio que foi isso que impediu o romance. Mas agora estavam ali, mais maduros, frente a frente.

Ficou congelado por cerca de três segundos e após sorriso de ambos conseguiu dizer um empolgado oi. Abraçaram-se. “E aí o que está fazendo? Está indo aonde?”. A conversa seguiu o padrão do encontro com qualquer outro ex-colega. Mas não eram meros conhecidos.

A conversa fluiu e foram até um bar nas proximidades de onde se encontraram. Recordaram o passado e atualizaram o presente, exceto aquilo que ambos gostariam de saber: a situação conjugal.

Queriam aproveitar o momento, poderia ser único e decisivo. Após algumas cervejas ele criou coragem e conseguiu perguntar. Mas a resposta fez sua empolgação se esvair. Ela estava namorando. Aquilo demorou a ser processado. Apesar de ele também ter namorada, havia um sentimento possessivo de que ela não poderia ser de mais ninguém além dele, mesmo nunca tendo sido.

Ela também o questionou. Após a pergunta derradeira o clima não foi mais o mesmo. Ele tinha vontade de saber mais sobre o tal namorado, mas ficaria com tamanho ciúmes que preferiu não perguntar. A curiosidade dela foi mais forte. Quanto tempo, como, quando, quem. Perguntou.

Conversaram mais um pouco e apesar de ambos desejarem ficar mais tempo, muito mais, ele encontrou uma brecha para justificar que fossem embora. Pagaram a conta e despediram-se com um forte abraço. Trocaram telefones, apesar de saberem que jamais ligariam estando namorando, e foi cada um para seu lado.

Ao virarem-se o primeiro pensamento dele foi “merda”. Quatro passos adiante e ela o chama e diz:
- Bruno, eu te amo.
A breve raiva que sentia de si, por ter deixado seu amor escapar, foi amenizado. Assustado e arrepiado, disse:
- Eu também te amo Carlota.

Voltaram. Abraçaram-se novamente e foram embora. Cada qual para seu namoro.

segunda-feira, 28 de março de 2011

O menino Menino

O menino nasceu, mas ninguém sabia como chamar. O tempo era tanto pra trabalhar que nem tiveram como no nome pensar.

Sobrenome já tinha, Silva. Para a mãe era mais um para a filharada. Para o pai era sinônimo de festa animada, para comemorar seu primeiro.

Cachaça pra todo mundo por sua conta, pra comemorar a chegada do menino. A marvada entra e o hômi logo desmonta. Cai no choro.

A mãe não parece muito animada. Pra dar pra parteira não tinham nada. A conta no bar ia só na pendura. A sua vinda acabara um pouco com a amargura.

O menino encerrou a agonia, pois todo mundo sabe que criança que vinga não é todo dia.

A noite já calou, mas não sabem ainda como o menino se chamou. Na dúvida, assim mesmo ficou: Menino da Silva.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Complete

Substitua as palavras sublinhadas por uma das opções de palavras e dê uma nova versão para o velho ditado popular. Dê um novo sentido, crie um novo ditado ou quem sabe uma poesia com essa merda brincadeira.

Que atire a primeira

Pedra

Quem nunca

Errou

Puta

Amou

Ponta

Abortou

Moeda

Furou

Bala

Olhou

Bíblia

Putou

Garrafa

Deu

Camisinha

Bebeu

Bicicleta

Traiu

Freira

Engravidou

Pica

Rezou

Bomba

Chupou

Calcinha

Masturbou

Bucha

Cheirou

Vassoura

Matou

Bola

Comeu

Mulher

Roubou

Bunda

Leu

Faca

Fumou

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

E o fenômeno parou...

Fenômeno
sm (gr phainómenon) 1 Qualquer manifestação ou aparição material ou espiritual. 2 Tudo o que pode ser percebido pelos sentidos ou pela consciência. 3 Fato de natureza moral ou social regido por leis especiais. 4 Tudo o que é raro e surpreendente. 5 Maravilha. 6 Pessoa que se distingue por algum dote extraordinário.

De acordo com as definições do dicionário Michaelis para a palavra fenômeno creio que “Tudo o que é raro e surpreendente”, “Maravilha” e “Pessoa que se distingue por algum dote extraordinário” são as que melhor definem Ronaldo, o fenômeno.

E o fenômeno parou... Após 18 anos de carreira profissional mostrando por que é um fenômeno, resolveu pendurar as chuteiras. Mas afinal, por que é um fenômeno? Vou tentar explicar.

Não é “apenas” por que é o maior artilheiro de todas as copas do mundo. Klose ainda pode alcançá-lo caso jogue a próxima copa. Não é “apenas” por que foi eleito o melhor jogador do mundo três vezes. Zidane também foi. Talvez Ronaldo seja um fenômeno por que somente o tempo conseguiu o parar.

Quantos de nós, não fenômenos, teriam parado ou desistido após a primeira cirurgia grave, quando ele jogava pela Inter? Duas vezes então? Quantos de nós não teríamos desistido ainda no início da carreira tendo que driblar uma infância pobre? Ronaldo enfrentou tudo isso (e muito mais) para se tornar o fenômeno.

Hoje, ao anunciar a despedida, revelou mais uma dificuldade que poucos sabiam. Um hipotireoidismo. O problema, segundo ele, era o que fazia com que tivesse dificuldades em emagrecer. Mais uma das muitas na carreira. Mas não seria esta ainda que o tiraria de campo.

Mesmo após descobrir o distúrbio e passar por mais uma dura cirurgia ele volta aos campos. E desta vez com a camisa do Corinthians. Eu, como corinthiano, sempre irei me orgulhar pelo fato de um dos maiores jogadores da história ter jogado pelo Corinthians. Digo isso não apenas por ser Corinthiano, mas também por ser um Ronaldiano. Ronaldo foi o melhor jogador que vi jogar. Jogar apenas não, levar alegria para quem o viu.

Sua passagem pelo Corinthians foi marcante. Dois títulos, paulista e copa do Brasil, e obviamente lances emocionantes. O primeiro gol contra o Palmeiras e na final contra o Santos são alguns que cito. Infelizmente a libertadores não veio enquanto ele estava jogando. Mas, isso foi apenas uma decepção em meio às muitas glórias. Na medida do possível (e talvez até do impossível) a carreira do fenômeno foi perfeita. A perfeição a serviço do Brasil, dos times pelos quais passou e a serviço do futebol.

Com o hipotireoidismo, e o consequente sobrepeso, vieram muitas críticas. Mesmo assim revelou isso apenas hoje, driblando mais uma vez a crítica e mantendo a alegria em jogar. Apesar das tristezas, como contusões e campeonatos não ganhos, a alegria foi o que permeou a carreira. Além de levá-la aos que o viam ele sempre jogou por estar feliz fazendo o que gostava. Alguns de seus lances, por vezes inexplicáveis, pareciam fáceis para ele, finalizados com um grande sorriso, enquanto alguns perguntavam: “Como foi possível?”.

Impossível explicar. Fenômenos são incríveis, inexplicáveis. Mas passam com o tempo. Passam, mas ficam na memória de quem viu e serão contados para quem não teve este grande privilégio.

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Observações:

- Vale conferir o texto sobre quando ele veio para o Corinthians: Fenomenal

- Não pretendia escrever sobre futebol, pois o último texto foi sobre o mesmo assunto, mas...não tinha como evitar né.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Brochei

Ela é a menina dos meus olhos. Meus desejos se resumem a ela. Não sei se é desejo, ambição ou paixão.

Já conquistei todas que quis, agora quero a ela e nada mais. E ela sabe disso. Já tentei outras vezes, várias, mas nada houve. Sem sucesso. Em algumas tentativas achei estar bem próximo, mas nos pênaltis ela me espalmou para escanteio. Mas não desisto. A quero acima de tudo e só descansarei depois de tê-la.

Chegar nela é difícil. Após vários fracassos tentar novamente é complicado. Além da minha própria expectativa ainda há aqueles que estão em volta torcendo pelo meu fracasso. Afinal, uma moça como ela é desejada por todos.

Consigo finalmente chegar. Eu, que sou simpático, desinibido e querido por muitos, mal consigo falar. Estou nervoso. Extremamente nervoso. Faltam-me assuntos. Ela não me dá muita moral. Praticamente monossilábica. Mesmo com os assuntos parecerem fugir, consigo improvisar algo. Falo sobre coisas nada a ver. Isso é ruim, mas bom, consigo arrancar algumas risadas dela.

Dedico tempo. Bastante. E dedicarei o que for necessário. Não vejo nada ao meu redor. Só ela. Eu e ela. A conversa se desenrola. Vai indo, aos trancos e barrancos, mas segue. O nervosismo continua. Por mais que já estejamos flertando não consigo me sentir totalmente à vontade.

Nesse tempo de jogo já estou pronto para o bote. Qualquer assunto que surja consigo uma brecha para sugerir um algo a mais. Ela sorri. Vejo que é necessária uma investida mais incisiva. Juntamente às sugestões de segunda intenção eu a abraço, beijo o rosto, pego na mão.

Numa dessas ela cedeu. Beijei-a. Não acredito. Meu estômago se revira chegando a produzir alguns barulhos estranhos que parecem arroto. Sigo na pegada. Beijo, conversa e carícia fazem com que, embora ainda presente, uma parcela de nervosismo desapareça.

Não sei como, mas acabamos na cama. Beijamos-nos ardentemente. Abraços e afagos acontecem, mas o nervosismo ressurge com imensa intensidade. Mesmo tendo-a, ela que sempre quis, não consigo me levantar. Meu pau não responde aos impulsos. Nenhum sinal. Fico ainda mais nervoso e menos excitado.

Nem chegamos a tirar a roupa. Ela percebeu e compreendeu a situação, ao menos aparentemente. Não sei se terei outra chance.

Merda! Não boto fé que desperdicei aquela oportunidade. Fracassei mais uma vez na minha tentativa em chegar até lá com ela. Caralho! Maldita expectativa. Maldito nervosismo. Se fosse outra teria ocorrido tudo naturalmente, como sempre. Mas juro que um dia a terei. Terei sim.

Não foi desta vez, mas um dia você será minha, libertadores.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A última cartada


Do desemprego já se iam quatro anos. Da entrada nas drogas dois. Do abandono da família um. Da namorada seis meses. E apenas uma hora da decisão.

Abandonado estava por todos. Pais, garota e amigos. Resolveu abandonar-se também. Abandonar a todos. Abandonar a vida.

Estava terminando a carta de despedida. Sabia que demoraria para alguém encontrar o corpo. Só a tiazinha de quem alugava o minúsculo apê sentiria sua falta. Sua não, da grana. Já estava com três meses de atraso e mais um vencimento se aproximava. Seria encontrado em putrefação. Por meio da carta justificava por que decidiu fazer com que uma bala estourasse seus miolos.

No início da despedida tomou um tom de revolta com todos que lhe viraram as costas. Com o desenvolver foi reconhecendo que todos tinham razão e colocava a culpa unicamente em si. No desfecho faria um pedido de desculpas.

Faria aquilo para buscar mais um refúgio. O último deles. Em sua visão era o que restava já que não tinha mais nenhum tostão e nenhum bem para vender e se esconder em uma lata. Lata esta que fez com que todos o virassem as costas. Primeiro foi a família, já cansada de lhe internar e ele voltar sem mudar nada. Depois os amigos e por último a namorada. Ela que sempre esteve ao seu lado, desde o início do desemprego, quando só pensava em curtir com o dinheiro dos pais, até alguns meses em que ele simplesmente sumiu e levo 
tudo consigo: tênis, roupas, tv...Mas não sabia que com os bens materiais acabou fumando também o coração da garota. Tudo transformado em pedra.

Com o último vintém comprou a 38. Assim como a bala faria, passou rapidamente pela sua cabeça a ideia de roubar, mas não faria isso. Mesmo tendo feito mal àqueles que mais amava, achava que fazia mal apenas para si.

Pronto. Ponto final na carta. Fumou o último Classic enquanto ouvia música no velho micro sistem que o traficante não havia aceito. Fechou os olhos. Engatilhou. Respirou e ao ouviu um trecho da música que tocava:

“É isso ai você não pode parar/ Esperar o tempo ruim vir te abraçar/ Acreditar que sonhar sempre é preciso/ É o que mantém os irmãos vivos”.

Respirou fundo mais uma vez e em algum lugar lá no fundo a música bateu. O seu sonho, voltar para a família e para a vida normal, o manteve vivo. Rasgou a carta. Desistiu de desistir.