quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Ceda à Sede

Aquele jeito formal me enlouquecia. Delicadeza sem excesso. Educação sem ar superior. Inteligência para conversar sobre multiplicidades. Simpatia em cada palavra e sorriso sempre presente.

Infelizmente, apresenta a mesma sagacidade que me conquista para se esquivar de minhas investidas. Mas hoje vai. Hoje tem que ceder. Hoje é o dia da noite inesquecível.

O pior é que insiste em falar no compromisso. Já estão juntos há anos. Já está mais do que na hora de cair na rotina e o amor decair. Está no momento de ter vontade e curiosidade por outros corpos. O meu, por exemplo.

Todo assunto faz com que comente sobre o namoro. Mas por certo ponto de vista isso é bom, pela semelhança ou pela oposição, há uma comparação. Pode pensar em mim como uma alternativa ou reafirmação.

Para que tudo dê certo tenho um plano infalível e uma arma perfeita: bebida. Muita bebida para esquecer quem está em casa e lembrar só do que vê pela frente. Somente eu.

Não é possível que muito álcool não deixe tudo suce. Suscetível.

Depois de muita cana jogo uma indireta e se não funcionar vou direto. Digo que quero transar. Que sempre quis. Que quero agora. Que pago tudo. Que chupo tudo.

Vou assim mesmo, com o pé nas costas. E se ainda assim recusar, agarro de forma inescapável. Depois já era. É um pulo para a cama.

É impossível a formalidade resistir à embriaguez do beijo.

Mas está demorando. Como bebe. Como custa chegar ao momento do ataque. Eu, que bebo bastante, já começo a falar enrolado. Olho de maneira insinuante, mas parece que a embriaguez impede que perceba. Parece distração, mas quero ver pensar em outra coisa na cama. Quero ver pensar naquela maldição de cônjuge.

Enquanto isso, bebe vai. Pede mais uma. Vamos conversando. Vamos fumando. Não ligo para o seu bafo de cigarro. Isso não é nada frente à sua perfeição. Perfeição que eu vou despir, vou pegar, vou esfregar, vou lamber e depois colocar esse seu caralho para pulsar dentro da minha aconchegante buceta.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Uma Estória Sem Pé Nem Cabeça

T
R
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terça-feira, 15 de outubro de 2013

Há caso?

Viram-se pela primeira vez pelo acaso. Foi acidental, se é que um acidente pode ser bom. E se é que foi bom terem se visto.

Estavam de costas um para o outro. Não por acaso carregavam um guarda-chuva e um ônibus os carregava.

Ele ia para uma entrevista de emprego. Ela enfrentava o transporte coletivo todos os dias, mas nunca naquele horário. Estava atrasada.

As costas se encostavam mesmo que evitassem o contato gratuito, afinal ambos eram curitibanos. O contato só foi possível graças à lotação estar lotada.

O guarda-chuva já fazia parte do visual de ambos. Em Curitiba nesta época do ano o guarda-chuva é uma extensão do braço. Ele segurava nas mãos, molhando o chão do ônibus. O dela estava na mochila, somente com o cabo de fora. Estava tão frio que até mesmo o guarda-chuva corria o risco de pegar gripe se ficasse exposto à friagem.

A distração dela foi interrompida quando a voz do ônibus que fala anunciou que seu ponto estava chegando. Apressada, desceu do ônibus levando consigo uma lembrança.

A alça do guarda-chuva se enroscou com a mala dele, que desceu onde não devia. Quando perceberam, começaram a rir timidamente. Olhavam um para o outro, depois olhavam pro chão e riam.

Ela se desculpou. Ele, embora tenha descido quatro pontos antes do desejado, aceitou as desculpas.

Depois da graça ficaram sem graça. E mesmo com vontade de conversar rumaram para seus compromissos.

Como previsto ela chegou atrasada. Ele, devido ao imprevisto, também se atrasou e não conseguiu o emprego.

Ela já se imaginou contando para a filha como se conheceram. Ele queria contar para os amigos, mas sabia que iriam chamá-lo de bundão por não ter conseguido dizer nada para a garota.
Esforçaram-se para um novo encontro. Ele pegou o ônibus mais algumas vezes mesmo sem nenhum compromisso. Ela passou a chegar atrasada frequentemente.

O dinheiro dele acabou e não pode mais instigar outro acaso. Ela não podia mais se atrasar por conta do possível caso.

Depois o acaso nunca mais ocasionou.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O ex-poeta

O poeta já não mais poetisa.

Sua esperança morreu e não foi a última, sobrou seu corpo, como testemunha.

Agora virou trabalhador. Anda de carro, bate cartão, não conversa, não olha pela janela, não divaga, não ri e não chora.

Seu olhar poético embaçou. Seu coração empedreceu. Robotizou-se. Desensibilizou-se.

Ele agora só vai. Segue um caminho reto, sem desvios, sem emoções, sem desafios. Não sabe aonde quer chegar. Segue um rumo que o guia na certeza do nada.

Em sua jornada de zumbi o ex-poeta às vezes avista a alma penada da sua esperança, que some assim como seus sonhos.

Antes usada para celebrar, a bebida perdeu seu sentido. Não há nem lamentação e a ressaca já não faz sua parte. Não tem mais mágoas para afogar. Ex-poetas não tem mágoas.

O ex-poeta não tem motivos para viver, para morrer ou para escr

terça-feira, 24 de setembro de 2013

O Olho Mágico

Pela grande janela que dava para a rua Dona Leocádia viu as três novas moradoras chegando animadas. O tempo não tinha levado sua atenta visão e audição.

Saiam do táxi cheias de malas. Vinham para ficar.

Dona Leocádia conhecera todos os moradores que passaram pelo prédio. Com a chegada tinha três bons motivos para continuar viva. Eram três vidas para futricar e espalhar.

Estava lá desde que os curitibanos começaram a se empilhar uns em cima dos outros. Mudou-se depois de ter casado com seu Roberto, um militar marido, e ali passaram a lua de mel. Foi uma das primeiras a experimentar a sensação de morar no alto e ver de cima o desenvolvimento da capital e a degradação do ser humano. 

Com o tempo passou a não se contentar mais em ter esse olhar superior. Preferia olhar para todos os lados possíveis. Quanto mais o tempo passava mais olhava para dentro do prédio e da vida de seus habitantes.

As pessoas de fora já não tinham mais graça nem graciosidade. O centro passou a ser apenas uma passagem. Quando escurece é a parte da cidade que sobra para aqueles que não têm para onde ir e vira um ponto de vendas para os comerciantes da calada. 

Em uma noite de observação quase teve um ataque cardíaco ao ver um rapaz sendo assaltado. Chamou a polícia, que chegou meia-hora depois, quando os bens do garoto já tinham virado fumaça.

Na última vez que viu a polícia por ali eram eles que roubavam um menino. E batiam. Aprovou a atitude dos guardas, até mesmo por que naquele lugar, naquela hora, pessoas boas não ficavam.

Alguns dias depois ouviu no rádio que o corpo de um menino fora encontrado em um matagal na região metropolitana. A reportagem disse que o adolescente fora pego pelos policiais ali na sua rua, na frente do seu prédio. O locutor disse que o jovem estava fumando maconha. Aprovou ainda mais a atitude dos homens da lei. Maconheiro tem que morrer mesmo.

Agora olhava pela janela só por que sabia que as meninas chegariam. Teve a honra de recepcioná-las. O proprietário do apartamento deixou a chave com ela. Ele não ia muito lá. Depois de cinco anos como morador decidiu alugar o imóvel. Não aguentou viver no centro. Muito barulho, muito grito, muito tiro.

Assim como a população da classe alta e a prefeitura, ele abandonou o centro. O vizinho foi se avizinhar lá pros arredores da cidade. Foi morar em um condomínio seguro e luxuoso, que embora tivesse uma favela ao lado, não o atrapalhava. Um alto muro garantia que sua visão se direcionasse apenas para o condomínio.

A alegria das meninas era visível lá de cima, mas fecharam a cara quando Dona Leocádia as cumprimentou. Mesmo na sua presença conversavam somente entre si.

Chegando ao apartamento não a convidaram para entrar e fecharam a porta. Ela ainda ouviu quando trancaram-se.

Aquilo era um ultraje. Como alguém chega ao seu prédio, nos seus domínios, sem que se apresentasse a ela? Sem lhe pedir nenhuma ajuda. Nenhuma informação.

Por trás da porta Dona Leocádia ouvia risadas frequentemente. Quando percebia que iriam sair logo saia também, para promover um ocasional encontro, mas nunca conseguiu uma conversa.

Um rápido “Oi, tudo bem?” era o máximo. E saiam apressadas. Nem a ajudavam a descer as escadas. Ainda bem, pois não iria sair mesmo. Quando percebia que já tinham saído do prédio voltava para o seu apartamento.

Sem as meninas em casa não tinha muita ocupação. Lá dentro sentia o vazio.

Com o passar de um mês ainda não descobrira nada sobre as meninas e decidiu que somente escutar já não bastava. Precisava ver. Mandou colocar um olho mágico.

Aquele desconhecimento a agoniava profundamente. Não sabia nem mesmo o nome delas. O prédio não tinha nem porteiro para poder se informar. Decidiu então buscar com os outros moradores.

Dispensou um dia de observação para fazer visitas. Andou pelo prédio inteiro conversando de maneira amena, despretensiosa. Subiu e desceu escadas, bateu em todas as portas e a única coisa que descobriu era que as garotas diziam ser universitárias.

Elas não saíam muito, mas pareciam ter muitos amigos. Recebiam muita gente, mas nem iam até a porta recepcionar. As visitas eram geralmente masculinas e ficavam lá por uma hora, de acordo com o cronômetro de Dona Leocádia.

Não saber nada era uma tortura e aquelas risadas eram atos de requinte. Não entendia como ficavam o dia inteiro em casa, embora ela fizesse o mesmo.

Saíam somente nos finais de semana. Um carro preto as esperava na noite de sexta-feira e as devolvia para Dona Leocádia na segunda-feira pela manhã. 

Com o passar dos meses ela foi ficando doente. Suas costas doíam cada vez mais por ficar tanto tempo em pé tentando ver e ouvir algo. Em algumas ocasiões esquecia-se de tomar os remédios e se segurava ao máximo para comer e ir ao banheiro. Às vezes fazia ali mesmo para não deixar de espiar.

Em uma noite de quarta-feira um homem foi visitá-las. Entrou sozinho e saiu dali 15 minutos.

Na manhã seguinte, quando a polícia e a reportagem perguntaram, Dona Leocádia disse que estava dormindo.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Eu te entendo, Esquerdinha

Parece bizarro, mas não é.

O país que vai receber a copa tem estádios bonitões sem fosso e sem grade, o que até então seria impensável no país do futebol. Isso por que a paixão, a revolta e muitos outros fatores faziam com que torcedores invadissem o gramado sem maiores dificuldades. Mas agora não. Agora que vamos receber a copa somos um país altamente civilizado.

Muito distante desses pintosos estádios ainda existe a essência do futebol. Lá onde nasce o esporte, lá onde o sonho ou a brincadeira move pessoas a jogar uma verdadeira pelada, ainda há uma parte do futebol que não foi elitizada. Na série D do campeonato brasileiro o amor pelo clube ainda existe.

Um desses apaixonados se chama Romildo Fonseca da Silva, conhecido como Esquerdinha. Esquerdinha não é um jogador do seu clube, o Aparecidense, mas sim um massagista. Desesperado ao ver que seu time seria desclassificado aos 44 minutos do segundo tempo o massagista largou a sua função e foi além. Entrou em campo e salvou o time da desclassificação.

Incomum. Bem incomum. Mas compreensível.

Esquerdinha fez aquilo que um torcedor apaixonado faria. Esquerdinha virou zagueiro de uma hora para outra. Sem ser escalado, sem participar dos treinamentos e sem receber o mesmo salário de um jogador.

Ora, que torcedor nunca teve vontade de entrar em campo vestindo a camisa do seu clube?

Dia desses um amigo teve essa honra. Com direito a preleção, hino, nome no placar eletrônico, gol e comemoração ele vestiu as cores do seu clube como faz um jogador. Pode sentir por um dia como é a sensação de defender aquela pátria. Ajudei-o como pude para realizar aquele sonho, mesmo que não seja um simpatizante do time dele, mas o compreendo.

Quem já foi ao estádio gritar, berrar, torcer e em alguns casos até xingar em apoio ao time já teve a vontade de estar lá dentro para tentar resolver tudo.

Que torcedor nunca declarou que até ele jogaria melhor que o Ibson e o Maldonado juntos aquele jogador que tem pouca habilidade e ainda assim parece não jogar com raça?

Só quem ama seu clube sabe quais são esses sentimentos. O amor que o move para o estádio, o amor que faz com que torcedores tatuem o símbolo do clube, o amor que o faz gastar dinheiro para comprar uma camisa e carregar aquilo como um manto.

Esse foi o mesmo amor que moveu Esquerdinha. O torcedor Esquerdinha. O apaixonado Esquerdinha. O herói Esquerdinha.

Eu te entendo esquerdinha. Eu te entendo.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Ele, ela e a operadora - Parte II

Ficou o dia inteiro na cama. Não se atreveu a comer e vomitou o que bebeu.

Próximo às 21h o apetite começava a abrir, parece que agora vai.

Depois cometeria o mesmo erro: beber o máximo que o corpo aguentasse.


Claro, sabia que iria se arrepender, da mesma maneira que estava arrependido agora. Mas não ficaria em casa em pleno sábado à noite.

Estava na idade em que sábados jamais eram perdidos e um sábado ganho era aquele que tinha muito álcool.

Mas aonde ir? Sua única comunicação ao longo do dia foi com a televisão, a cama e a privada.

Sacou o celular e disparou uma mensagem coletiva. “E aí? Vai fazer o que hoje?”.

A mensagem também não era tão coletiva. Selecionava os contatos de acordo com a frequência com que saia e dava preferência aos contatos femininos.

Quando passou pelo nome dela sua face veio à mente. Por 26 segundos pensou se deveria mesmo enviá-la. Enviou, mas sem fé na resposta.

- Naum sei ainda e vc? (21h15)

Buscou passar a impressão de que a mensagem fosse única.

- Naum sei tmb. Por isso mandei msg, pra ver se vc tinha alguma. (21h16)
- Hum. Pur enquanto nd. (21h20)

- E vai continuar assim? (21h20)

- Assim como? (21h23)

- Fazendo nada. (21h23)

- Num sei ainda. (21h27)

- É, pelo jeito vai. Tava ah fim de faze alguma. (21h27)

- Acho que vou ficar em ksa. (21h30)

- No sábado? Ah, vamo tomar alguma coisa. Uma cerveja, um vinho...um banho! (21h31)

- oiuHEIueiouEIOUiheuhu abusado! (21h31)
- Vô ficar em ksa mesmo. Tô sem carro. Meus pais foram viajar. (21h32)

- Mas eu tô de carro. Vamos fazer alguma entaum!? (21h32)

- Ah. Tô meio sem grana tbm. (21h38)

- De boa, eu pago a bera hj! (21h39)

- Ah, não curto muito sair sem grana. (21h47)

- Cheia de mimimi né!? (21h47)

- Ah, não é, mas tô ah fim de ficar em ksa mesmo. (21h53)

- É, eu tbm. Tô com vontade de ficar na tua casa! Oauehoaueoiuahoieu (21h53)

- ouaieuoaiuehioauehoiauheoiau besta! (21h55)

- Mas é sério! Aoiueioauehiouaoihu (21h56)

- Vem aqui então. Traz aquela bera que vc disse que ia pagar. (21h57)

- Tá bom. Que hrs posso ir? (21h59)

- Vô toma banho. Daqui uns 40 min pode vir. (22h04)

- Blz. Num lembro direito onde que eh. Me passa o end certinho. (22h06)

- ...

- Tá viva? (22h50)

- Tá. Me chama e não passa o end. Bem Curitibana mesmo neh!? (23h15)

- ...

- Se não queria que eu fosse por que chamou então? (00h23)

Foi dormir sem resposta. Com cervejas e camisinhas intactas.

Durante a madrugada de segunda para terça-feira recebeu as mensagens (7). Meio dormindo, demorou a entender, mas com uma lembrança dolorida, recordou-se. 

Tim, viver Com fronteiras...e abstinência sexual.


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Confira a primeira estória de "Ele, ela e a operadora".

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Política familiar

Alceu chegou mais tarde naquela noite. Com sua ausência, Isabela e a pequena Júlia sentaram-se à mesa de jantar sem o patriarca. Chico, o cachorro, também fez sua refeição (toda família feliz tem um cachorro). O atraso era previsto. Ele avisara que chegaria mais tarde (todo infeliz trabalha mais que o necessário).

Sua chegada não foi tão festiva quanto o habitual. Ninguém foi recepcioná-lo. Isabela o cumprimentou sem se desviar da TV. Chico continuou deitado e apenas deu um olhar levantando a sobrancelha.

- O que aconteceu?

- Nada!

Naquele momento Alceu confirmou o que desconfiava. Alguma coisa aconteceu.

Foi até o quarto e viu na cama alguém se movimentando embaixo da coberta. Ao levantá-la viu o desesperado e reprimido choro de Júlia.

Sentou-se calmamente e deu um beijo na testa da menina, que sem perder tempo agarrou-lhe o pescoço.

Passado o pranto, ele transferiu a ela a pergunta feita à mulher, o que fez com que o choro recomeçasse.

Voltou para a sala.

- O que aconteceu, Isabela?

O cachorro saiu de perto e foi para o seu canto.

- O que aconteceu, Alceu? O que aconteceu? O que aconteceu é que a tua filha não quis jantar por que o pai dela não chegava.

- E ela tá chorando desse jeito por causa disso?

- Não. Ela tá chorando por que eu bati nela.

- Bateu nela, Isabela?

- Bati e bati mesmo.

- Por que fazer isso Isabela? Só por que ela não quis comer?

- Claro que não Alceu. Ela tava me desafiando. Me questionando.

- E você não sabe conversar? Ela é uma criança, Isabela.

- Purisso mesmo. Purisso que ela tem que me respeitar e fazer o que eu mando.

- E você não podia simplesmente explicar que eu vinha mais tarde?

- Eu tentei Alceu. Mas essa guria me questionava cada vez mais. Aí eu...

- ...Aí você bateu nela.

- É Alceu. Bati. E daí?

- E daí que não é assim que se educa uma criança e eu esperava que você soubesse disso. Como uma pessoa calma, educada, inteligente como você foi bater em uma criança?

- Alceu, você não tá vendo? Você não percebeu o que essa menina fez?

- Não.

- Alceu, a atitude dela tem influência político-partidária!

- Ah então tá certo. Tá justificado.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Adeus Guarda-chuva

Hoje perdi meu guarda-chuva.

Como provavelmente você não vai ler isso no dia em que escrevi, então imagine que o seu hoje é o meu hoje (28/05/13). E caso não more no mesmo lugar que eu imagine uma cidade em que chove muito. Vamos chamar esse lugar de Curitiba.

Pois bem, hoje perdi meu guarda-chuva. Mas não vou sentir sua falta. Odeio guarda-chuvas.

Se não está chovendo ele é um peso desnecessário. E se está, tenho que carregar aquele negócio molhado. Não dá pra colocar na mochila. Sou obrigado a colocá-lo no chão e esquecê-lo.

Prefiro usar aqueles guarda-chuvas enormes. Com eles é mais fácil furar os olhos dos desprotegidos, são mais difíceis de perder e se não estiver chovendo podem ser usados como uma bengala.

Há anos o guarda-chuva estava guardado sem guardar nenhuma chuva. Hoje, por motivos curitibanos, tive que levá-lo. Assim como eu, ele teve que sair do seu lugar aconchegante e ir para a cidade fria, molhada e escura.

O ex-meu pequeno e incômodo guarda-chuva não fará falta. Mas espero que ele encontre alguém.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Insuportável

Dormiam juntos, tomavam banho juntos, iam ao shopping juntos, assistiam TV juntos, comiam juntos à mesa...

Oscar fazia companhia para Jurema. Jurema fazia tudo para Oscar. Até festa de aniversário. Dizia que só faltava ele falar.

Na verdade Jurema tinha sorte de o cachorro não falar. Os falantes tinham o costume de abandoná-la.

O marido era um surdo-mudo que conseguiu suportá-la por seis dias não consecutivos.

Carlinhos, o filho mais novo, conseguiu fugir de casa aos três anos. Os outros cinco demoraram a conseguir escapar, pois sempre que estavam saindo ela iniciava uma conversa interminável.

Às vezes os filhos mandavam cartas, mas sem o endereço do remetente, pois temiam que ela fosse fazer uma visitinha.

Distraída por falar ao celular, foi atropelada. Só se livrou do coma por não conseguir ficar tanto tempo sem falar.

O único companheiro de Jurema era Oscar. Jamais se separavam. O Linguiça era carregado para todos os lugares e em alguns deles Jurema já tinha arrumado confusão pela sua presença. Para poder ir a esses locais ela o carregava dentro de uma mala com estrutura adaptada para Oscar, que já tinha viajado de ônibus de Porto Alegre a Curitiba dentro da mala.

O único lugar em que o cachorro não ia era ao médico, que tinha um olfato apurado e percebia Oscar mesmo dentro do canil portátil.

O doutor era conhecido por ser o médico com a letra mais bonita do Brasil. Até ganhou o troféu “Caligrafia Médica”. Depois que conheceu Jurema, aprendeu a escrever de forma rápida e incompreensível só para dispensá-la mais rápido.

Certo dia Jurema foi ao médico e deixou Oscar sozinho em casa.

Quando voltou ele estava pendurado no chuveiro com um cadarço amarrado ao pescoço.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Mudança radical

Respirou fundo, segurou e soltou aquela velha vida.

Não viveria mais daquele jeito. Aquele tempo poderia ser mais bem aproveitado. Não só aquele, mas toda inútil perca de tempo.

Deveria arriscar mais. Divertir-se mais. Sorrir mais. Respirar mais. Olhar mais para frente e menos para o celular.

Não seria mais tão sistemático. Não iria mais se programar tanto para fazer simples tarefas. Não iria mais viver pré-ocupado. Iria simplesmente viver.

Aquela velha vida acabou. Mudaria a partir daquele momento.

Fechou os olhos e tirou o pen drive sem ejetar.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Má ré

Olhando para o céu, penso o quanto minha vida mudou depois que me livrei dela.

Tudo parecia piorar quando ela estava por perto. Ela era um aspirador obscuro, que eficientemente roubava todas minhas energias positivas.

Fui burro ao tentar levar aquilo a sério. Jamais poderia dar certo um relacionamento com uma pessoa que conheci após ter batido no meu carro.

Para momentos como aquele acumulei um arsenal de palavrões, que agora enriqueço cada vez mais. Teria o disparado, mas quando fui abrir a porta do carro ela já estava na janela chorando e pedindo desculpas. Não consegui dizer nada e ainda assumi a culpa.

- Bati o carro, amor. Vou chegar tarde – O pretexto parecia perfeito. Não era uma mentira, mas não foi o único motivo para ter chego 3h da madrugada. Fui ao motel com a mulher que bateu no meu carro.

Em uma única noite bati (e paguei) o carro, meu casamento acabou e fui ao motel (e paguei também) onde brochei pela primeira vez.

Depois que me separei ela e seu azar me faziam companhia frequente.

Minha saúde de ferro enferrujou. Passei a beber cada vez mais e a usar drogas depois que ela trouxe cocaína “só pra gente se divertir um pouco”. Até o meu time, o invencível Barcelona, passou a perder.

Quando percebi o revés tentei evitá-la, mas era inevitável. Mudei do meu quartinho de solteiro, mudei meu telefone e mudei de emprego. Melhor, perdi meu emprego.

Quando eu esboçava um sorriso ela surgia do chão para roubá-lo. Mercado, bar, médico, cinema, teatro...Ela parecia aquele e-mail com um slide idiota em que você se concentra e de repente aparece um demônio gritando em sua caixa de som.

Acreditei que me mudando para um cidade de 2.000 quilômetros de distância eu estaria livre, mas lá estava ela. Foi aí que concluí que não haveria outro jeito. Tive que matá-la.

Depois disso, minha vida finalmente melhorou. Muito. Penso isso mesmo que esteja olhando para o céu pela janela da minha cela enquanto outro detento me açoita.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Flashes

Flash nº 16

Já eram 4h e eu ainda estava lá. Mesmo tendo que estar no trabalho às 8h. Aquele inferninho no centro da cidade era o único lugar aberto àquela hora. Estávamos completamente bêbados, mas não inanimados.

Jamais imaginei que entraria naquilo, mesmo quando passava por ali de dia.

Os meus dois amigos eram frequentadores do local, cumprimentavam o garçom e o porteiro pelo nome e conheciam outros presentes.

Flash nº 15

Homens e mulheres bêbados dançavam no salão. Deveria ter umas 40 pessoas ali. Bolas e tacos abandonados na mesa de sinuca. Casais aparentemente recém-formados ficavam em cantos mal iluminados. Mesas serviam de camas improvisadas para os alcoolicamente sonolentos.

Ficar encostado no balcão me pareceu o ponto mais seguro. Tomava uma cerveja enquanto olhava para os meus amigos, que dançavam sorridentes com duas meninas. Feias. Lazarentas de feias.

Dançavam e me olhavam. Exibir aquelas moças de poucos dentes parecia divertido.

Flash nº 9

Vinha sorrindo em minha direção. Pensei em sair, ir até o banheiro. Mas continuei ali. A aproximadamente um metro a reconheci.

Flash nº 13

O dia já clareava quando entramos em um daqueles motéis do centro. O cara da recepção a confundiu com uma puta, mesmo nunca tendo a visto ali (?). Não nos incomodamos com o pulgueiro. Pagamos R$ 25.

Flash nº 10

Tinha o cabelo volumoso e era corpulenta. Deveria estar com uns 50 anos. Eu, 20. Tinha um vestido preto um pouco acima do joelho, que revelava suas formas. O seu olhar permanecia misterioso e penetrante.

Flash nº 14

Olhava para aquela imensa bunda e até me abaixei para tentar ver sua calcinha enquanto subia as escadas. Mesmo sabendo que dentro de alguns instantes poderia ver tudo o que queria. Pura molecagem.

Flash nº 1

Acordei com o gosto salgado daquela tenra buceta.

Olhei para aquele corpo ao meu lado e lembrei que um dia aquele fora um belo corpo. O observava muito durante a infância. Olhava com detalhes durante o dia para me masturbar de noite. Jamais transaria com uma mulher daquela, se não fosse ela a mãe de um amigo de infância. Pude sentir o gosto que não tive quando criança.

terça-feira, 5 de março de 2013

É namoro ou amizade?

Eram adolescentes que achavam ser adultos e tinham um coração de criança. Amavam-se do amor mais puro.

Em pleno fervor da adolescência, sedentos pela carne, ainda assim preferiam o amor.

Sem segundas intenções beijavam e abraçavam-se com freqüência. Conversavam pessoalmente, por e-mail, chat, SMS e todas as plataformas disponíveis. O assunto era inesgotável.

Na escola sentavam lado a lado. Por conversarem demais os professores eram obrigados a pedir que ficassem quietos. Para garantir que a aula ocorresse bem, alguns professores colocavam um em cada extremo da sala antes mesmo da aula começar.

Quanto mais juntos ficavam, mais juntos queriam estar. Até a distância os aproximava.

Embora ela quisesse namorar, ele tinha a consciência de que iria estragar aquele amor. A amava tanto que não queria machucá-la. Desde jovem já sabia que os homens sempre machucam as mulheres.

Coube a outro homem machucá-la.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Um amor para recordar

Nunca vou esquecer aquela noite.

Estávamos com uma vontade excessiva. Não sei se pelo que tomamos, pelo tempo que não transávamos ou pela animação natural que se tem em fazer sexo.

Nunca vou esquecer o jeito que ela subia e descia. Além do tato, invocava o prazer pela visão. Me dava ainda mais tesão observar aquele corpo e o desejo era completo quando ela me olhava nos olhos.

Enquanto seus seios siliconados pareciam não se mover, seu piercing não parava. De sua cintura fina seu corpo alargava-se para o quadril até chegar a suas grossas coxas, que se contraiam quando ela subia até quase tirar a cabeça. Soltando o peso do corpo ela ia rapidamente do topo à base do meu pênis.

A empolgação extrema durou até o momento em que ela subiu demais, desencaixou, sentou em cima e quebrou o meu pau.

Que noite inesquecível.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Gato perdido

Perdi meu gato na última semana de dezembro. Estou desesperado!

Ele atende pelo nome de “Gato”. Na tarde em que ele se perdeu mandei que fosse comprar cigarro para nós (um Malboro Light para mim e um Vermelho para ele). Gato é totalmente preto e no dia em que sumiu trajava apenas botas.

Apesar de saber se cuidar muito bem estou muito preocupado com o Gato, afinal, de suas sete vidas ele contabilizava apenas uma no dia de seu sumiço. Além do mais, ele levou meu cartão de crédito.

É comum encontrá-lo pelos bares da região do hemisfério Sul acompanhado de meia-dúzia de gatos pingados que costumam falar alto quando estão miando de bêbados.

Gostaria muito de colocar uma foto dele aqui, mas ele sempre foi tímido e nunca deixou que o fotografassem.

No carnaval dizem tê-lo visto pagando uma cerveja para um gringo no Rio de Janeiro.

Se alguém o ver, por favor, me bipa.

COMPARTILHEM!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Perfeição limitada

Nunca brigavam, parecia ser o casal perfeito. E era.

Jamais foram vistos discutindo ou brigando. Expressões de alegria e demonstrações de carinho eram percebidos de longe.

A lógica era simples, quando não queriam se ver não se viam. Se um dos dois queria ficar sozinho ou com os amigos era só avisar e estava tudo resolvido. Sem crise.

Não existia obrigação alguma. Às vezes ficavam até um mês sem se ver e nem por isso a paixão diminuía, pelo contrário.

Estavam um ano juntos nesse ritmo. Frequentavam a casa e conheciam a família um do outro. Se falavam todos os dias e jamais houve uma traição. Apesar da aparência não namoravam. Nunca houve um pedido, simplesmente foi rolando.

Ele, com sua obsessão pelo formalismo, a pediu em namoro. A aceitação era inevitável.

Inevitável também foi o sentimento de posse que emergiu em ambos. A alegria se foi.

Tudo que é bom um dia acaba.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O Doce, por Fernando Mendes

Hoje descobri um novo doce. Por meio de Guylherme Custódio, um amigo em comum entre nós, se não é ainda vai ser, me emprestou um livro (Literatura, pão e poesia. Sérgio Vaz) de um escritor paulistano não por natureza. Guylherme também é escritor, curitibano por natureza. Aliás, me apego muito com seus textos.

Jornalista, escritor e um bom “amante” da vida, se é que me entende. De vez em quando a gente até ama a vida juntos, leitor assíduo de tudo que as letras tornam palavras, também não tinha como ser diferente, né?

Nunca fui muito de ler. De vez em quando leio a Tribuna do Paraná, leio algumas noticias de meu time do coração e às vezes o horóscopo, pra ver se meu signo bate com o dela. Ah já ia me esquecendo das triboladas.

Com o livro que me emprestou e acabei de ler a pouco, achei a poesia que estava procurando, ou não estava, mas achei. Ou ela me achou, sei lá. Uma poesia que fala minha língua, que é o meu mundo, é o que escuto e vejo nas ruas. Rua por onde passo a maioria dos meus dias, trabalhando e muitas vezes não. Na verdade a maioria das vezes não, né Guylherme Custódio? Daqui pra frente chamarei o Guylherme por seu apelido (Fogo). Prefiro assim, é mais bonitinho.

Esse livro tem uma linguagem fácil de ser absorvida por quem nunca lê ou vive em lugares onde a cultura não tem tão fácil acesso. Isso foi o que percebi. Um livro de 184 páginas com histórias de lutas, dores, justiças e injustiças. De pobres, frágeis, de pais e de mães, de escritores, de rapeers e de leitores. Pessoas simples e simples pessoas.

A partir de textos do Fogo comecei a tomar gosto pela literatura, isso faz pouco tempo. Lia aqueles textos e pensava: “como não gosto disso, se é tão bom”.

Preguiça, falta de interesse. Não, é da vagabundagem mesmo. Mas vagabundagem também é uma labuta, pensa que é fácil ficar o dia todo procurando não fazer nada?

Como estava dizendo, os contos do Fogo me enchiam de curiosidade, principalmente quando não entendia nada o que ele queria dizer. Uma vez ele me disse que são os leitores que dizem pelo autor, mas isso já é muito para minha cabeça. Cabeça essa que tá cheia, cheia de vontade de aprender. Aprender a escrever, a lhe aprender, a decifrar a cabeça da mulher que é o amor da minha vida. Calma, ai já é pedir demais, outro dia conto mais sobre isso. Esta história não daria só um texto, daria um livro, um livro bem grosso, daquele tipo a Barça, saca?

Um dia o Fogo me contou sobre uma palestra em que um poeta recitava poemas voltados para a periferia, isso mesmo para a periferia! E para todos os periféricos de poesia.

Uma pessoa que fazia o bem com palavras, palavras bonitas, palavras fortes. Palavras carregadas de esperança. Um mineiro que fez a vida na periferia de São Paulo e que a trouxe junto com ele em páginas brancas com tons de vermelho, vermelho do sangue que escorre na zona sul paulistana, vermelho dos olhos cheios de água de quem o lê.

Um poeta que transformou um bar em biblioteca, para que as pessoas da comunidade fiquem cada vez mais embriagadas, que jovens entrem ali e se percam, que senhoras do lar levem seus maridos carregados para casa. Carregados de cultura, que os jovens se percam entre labirintos de letras e que saiam dali embriagados de esperança.

Assim o Fogo quando chega à distri e me conta sobre aquilo me deixa curioso para conhecer tal obra. Depois de alguns dias me emprestou o livro que comprou daquele escritor. Durante um tempo li aquele livro dia sim, três ou quatro não. Mas terminei hoje. Resolvi então escrever aqui para expressar meu contentamento pelo novo doce que experimentei e que quero me alimentar dele até morrer, de diabetes. Obrigado, Guylherme Fogo Custódio.
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Fernando Mendes (o Feio) é São Brazense, Coxa-Branca, tem 26 anos e gosta das triboladas.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Um estranho ninho

Sua simples presença era um evento. Quando passavam por ele cutucavam-se e o apontavam com os olhos e o nariz. As crianças puxavam a barra do vestido ou da calça de seus responsáveis para saber o que aquele rapaz fazia ali.

O olhavam como se fosse de outro mundo, mas estava em outro mundo apenas temporariamente. Ele não se importava com o que acontecia ao seu redor.

Estava tão concentrado que não olhava para os outros e nem para si. Não percebia sua própria aparência. Cabelo desgrenhado, bermuda, chinelo e uma camisa ex-branca. Era uma afronta estar trajado daquela forma em um local com pessoas vestidas casualmente embonecadas.

Não bastava estar daquele jeito. Ele ainda tinha um livro. Deveria estar na praça em frente ao shopping, no espaço público que abriga aqueles que não tem espaço privado. Não podia estar ali, no meio do templo do consumo sem nada consumir. E lendo.

“Tem um rapaz lendo na praça de alimentação”. Em instantes o boato correu o shopping inteiro. Até pessoas de fora entravam para ver aquilo. Em pleno dia de jogo e ele ali, com um livro.

E era um livro de verdade, sem tela. De papel como aqueles de antigamente.

Após uma hora a novidade já esfriava. Alguns já se conformavam. “É um louco”.

Ele então se espreguiça e coloca uma mão em cada bolso. De um retira um cigarro e do outro um isqueiro. Acende e antes de dar o primeiro trago surge um segurança.

Com tantos olhos e celulares em volta o segurança, com esforço, é obrigado a usar a educação. Pede que apague aquilo e em voz alta o questiona:

- Você não viu o aviso bem na sua frente?

A resposta faz com que todos suspirem aliviados.

- Desculpa senhor. Não sei ler.