terça-feira, 9 de junho de 2015

Glúteos trabalhados

Minha bunda é como um imã atraído pela cadeira da firma. Nela, meus glúteos se colam às 8h de todas as manhãs. Passo o dia tentando soltá-la e só consigo às 18h.

Os anos de atração fazem com que a cadeira tenha as minhas formas, com as duas bandas bem delineadas. Entre parafusos e pregas, o que mais me prende é o bolso. Quando escolhi minha profissão queria ajudar pessoas, tentar salvar o mundo. Hoje só quero salvar os meus fundos. O idealismo não paga as contas.

O sonho começou nos bancos da faculdade. Por quatro anos estudei comunicação e cultura digital, filosofia e ética, fotojornalismo, fundamentos de administração, história contemporânea do Brasil, história da comunicação, introdução ao jornalismo e legislação, língua portuguesa, planejamento gráfico, redação jornalística, técnicas de apuração, comunicação institucional, história da arte e da cultura, jornalismo digital, jornalismo gráfico, rádiojornalismo, sociologia da comunicação, telejornalismo, teorias da comunicação, cinema documentário, metodologia científica, pesquisa em jornalismo, planejamento em jornalismo, psicologia e comunicação, crítica ao jornalismo, empreendedorismo e inovação em jornalismo, teoria política e finalizei com o temido trabalho de conclusão de curso.

E tudo isso para quê? Para hoje recepcionar visitantes, atender telefonemas, fazer planilhas, desenvolver relatórios, organizar contas, pagamentos, arquivos e documentos.

Passei o período acadêmico com a esperança de que no final haveria um emprego, uma recompensa por todas noites em dia e o desgastante tempo gasto.

Cheguei ao final da corrida e não pude subir ao pódio, não recebi medalha, não rompi a faixa de chegada e ninguém me aplaudiu. E o pior, não pude parar de correr.

Tinha a ideia de que sempre haveria lugar para os melhores, mas não. A corrida é injusta. Há pessoas que pegam um atalho. Percorrem metade do trajeto e chegam onde eu deveria estar.

Encontrá-los faz com que eu me sinta ainda mais frustrada. A pergunta “e aí, tá fazendo o quê?” é opressora. Sou obrigada a dizer que sou uma mera auxiliar administrativa. E que não, não fui eu que desisti da área. Foi ela que desistiu de mim.

Dia desses atendi um ex-colega. Tive que me submeter. Prestar serviço à uma pessoa que não estudou nem um terço do que eu. Esse filho da puta era o mesmo que se orgulhava de ter saído da faculdade sem ter lido nenhum livro, que colava na prova, que fez o trabalho de conclusão nas costas da sua dupla e que entrou na empresa onde está por indicação de um amigo que vivia no bar com ele enquanto eu estava na aula.

Mas, fazer o que? O meu destino é o de quem não nasceu com o cu virado para a lua.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Vá dia

Hoje o mundo acordou pronto para incomodar.

Responsável por depositar o peso das suas nuvens sobre meu universo, minha mulher rouba minha brisa me dando um “bom dia” recheado de insultos. Não fiz nada (homens nunca fazem nada), mas ela acredita que a culpa pelo chuveiro ter estragado é minha. Jorra na minha cara que não sou homem nem para consertar um chuveiro.

Tento explicar que não sei fazer isso, sou um intelectual que não se dedica aos problemas práticos da vida. A vida, então, se vinga de mim na prática.

O motorista do ônibus, que atrasa muitas outras pessoas, atrasa também a mim, mas sou egoísta o bastante para crer que é tudo comigo.

Na empresa tenho a breve sensação de que tudo irá melhorar com o término das minhas tarefas. Mas elas regurgitam. Meu chefe, que tem a função diária de tornar meu mundo pior, hoje exerceu seu papel com maestria. Não só criticou toda a execução dos meus deveres como também me humilhou. Me ironizou em frente aos colegas. Ajuizado, baixo a cabeça. Preciso do emprego, preciso do dinheiro.

O mundo, mais uma vez, me tornou mundano, rancoroso, odioso e odiante.

No meio da reexecução do serviço recebo ligações. Cobranças bancárias. Logo lembro que preciso pagar a escola do meu filho, a conta de água, a conta de luz e várias outras coisas incontáveis.

Passo o tempo pensando quanto tempo falta para se encerrar o meu tempo. Depois disso estou livre para me sentir esgotado e não fazer mais nada.

Encontro uma saída para descarregar todos os septilhões de quilos que o mundo depositou sobre minhas costas. Entrego-me ao alcoolismo, escondendo meus problemas dentro de outro maior.

Sem companhia, tomo o primeiro gole e falo com o mundo.

- Hoje você tava pesado hein!?

- Eu tenho sempre o mesmo peso. Você que tá fora da forma.