quarta-feira, 30 de abril de 2008

Ô dores

Ele não simplesmente lavava as mãos. Ele realmente dava um banho nas mãos antes de ir pra casa. Marcos fazia um ritual de higienização das mãos para que Elisa não percebesse que ele tinha fumado. Mesmo assim não adiantava nada.
Quando botava o pé pra dentro de casa Elisa já gritava: “andou fumando hoje né Marcos!”. Ele ficava abismado com aquilo. Ela sentia todos os seus cheiros, por mais que ele se esforçasse para eliminar todos eles.
Em alguns casos, mesmo quando ele estava longe ela gritava: “Eu sabia, é só você sair com o Diego que você fuma maconha!”. Isso deixava Marcos boladão em dois sentido. Um deles era como Elisa conseguia distinguir o cheiro do perfume fino de Diego e o cheiro da erva, igualmente fina. A outra coisa que o deixava boladão era como ela sabia que o perfume era do Diego. Estaria Elisa traindo Marcos com o seu melhor amigo? Por mais que ficasse com a pulga atrás da orelha não dizia nada, afinal, era ele quem fumava do verdinho mesmo sabendo que ela odiava. Até que se provasse o contrário o culpado era ele.
Com relação ao cigarro o ritual era diário. Ele achava que ela já nem sentia nada e só falava aquilo pelo fato de já ser rotina. Um dia, de sacanagem, se segurou para não fumar só pra ver se ela iria falar. Quando chegou em casa ela começou: “Amor...”, ele já se sentia vitorioso quando ela continuou: “que bom que você não fumou hoje!”. E Marcos mais uma vez deu com os burros n’água.
Em uma noite resolveu sair com os amigos. Entre bebidas, o lugar abafado, fedor de cigarro e odores de muitas pessoas Marcos tinha a certeza de que sairia ileso. Mas ao chegar em casa a mulher logo disse:
“Iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiih amor, o peixe que você comeu estava estragado!”.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

A hora

Muitos foram pro buraco por sua causa.
Não fosse ele todos iriam apodrecer frente à família.
O braço forte de tanto carregar caixão.
Calo na mão como todo trabalhador.
Já era acostumado à dor.
Calado como todos que passavam pelo ambiente de trabalho.
A solidão natural por trabalhar com sólidos.
Terra, pá, concreto e sentimentos eram os seus principais instrumentos.
O resto era tudo decomposto,os instrumentos estavam sempre expostos.
Quando dizia a profissão qualquer pessoa ficava pasma.
Várias vezes confundido com fantasma.
Trabalho à noite era sempre parado.
Correr atrás de ladrão já estava cansado.
Tinha que botar pra fora jovens que faziam ritual e até parar sexo de casal.
Familiares e amigos também já viu partir.
Protagonista no momento em que ninguém desejava.
Quando chegou a sua vez, nada de lápide, homenagem ou flores.
Pra sentir as dores, só mulher, filho e o amigo pedreiro.
Assim foi a morte de Antônio Coveiro.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Dúvida conhecida

- Não conheço você de algum lugar?
Ela sabia que era uma pergunta idiota. É uma daquelas cantadas que entra no ranking das piores cantadas já inventadas. Mas não era uma cantada.
Era só uma pergunta. Uma simples e inocente pergunta.
Ela podia ser mal interpretada, também sabia disso. Mas não era só uma pergunta, nem só uma cantada, era um impulso.
Depois de 15 minutos olhando para ele, que estava ao seu lado no ponto de ônibus, parecia que ele o chamava a perguntar. Pensou incessantemente de onde o conhecia. Momentos pensava que o conhecia da infância. Momentos pensava que o conhecia há pouco. Mas sabia que conhecia. Vida passada talvez.
Cada característica que olhava parecia remeter a alguém que conhecia, alguém que gostava, alguém que talvez amasse.
Aquele olhar ela conhecia. A boca ela conhecia. As mãos ela conhecia. O jeito de balançar a cabeça ouvindo walkman ela conhecia. O cabelo ela conhecia. A cicatriz no canto da testa ela conhecia. Conhecia tudo. Mas não sabia de onde. Sabia que o conhecia em partes, mas não por completo.
Pensou perguntar antes, mas ficou com vergonha. Tinha certeza de que não podia perder a chance de perguntar.
O seu ônibus chegou. Tinha que ser agora.
Ela foi até ele com passos rápidos. A concentração de quem ouvia legião urbana (e ela sabia que era legião, só pela leitura labial), fez com que ele se assustasse e se irritasse quando ela o tocou. Mesmo assim, mostrou-se solicito, com olhar apreensivo e atencioso. O olhar deu a certeza a ela de que o conhecia, e mais segurança quando ela fez a pergunta, que ele honestamente respondeu:
- Não!

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Ô tristeza

São poucas as coisas no mundo do futebol que podem me deixar triste. Afinal, torço para dois clubes, que são os melhores do mundo, ou melhor, do Brasil (que é maior que o mundo). O fato de torcer para dois clubes me traz a garantia de que se um perder ao menos o outro me dará a alegria da vitória. Mas há sim uma coisa que me deixa triste, futebolísticamente falando.
Nesses muitos anos que “acompanho” o futebol paranaense vi muitos jogadores incríveis sendo revelados pelos times daqui, ou então vieram para cá acabados e brilharam vestindo as camisas do Atlético, o furacão, do Coxa, o glorioso, e do Paraná, o Paraná (piada do Fábio Silvestre).
Eis o que me deixa triste: a ida destes craques ao futebol do eixo Rio-São Paulo (mais de São Paulo do que para o Rio). É deprimente ver times que não conseguem revelar jogadores e apenas estendem seus tentáculos para puxar ao máximo jogadores do nosso estado. É muito grande a minha tristeza em ver que muitos dos jogadores dos “grandes clubes” estão jogando muita bola e deveriam estar brilhando aqui, no nosso campeonato paranaense, que sequer aparece no noticiário nacional.
Os exemplos são diversos. Um caso símbolo é do lendário Adriano Gabiru, que fez o gol do título mundial pelo Inter em 2006 em cima do poderoso Barcelona. Um parêntese: o Inter não se trata de um dos clubes-tentáculo a que me refiro, mas sim um clube prejudicado tal qual os times do PR. Não há nem comentários ao caso de Alexandre Pato.
Adriano, ao lado de Kleber (sim, é Kleber, não “Kleber Pereira”) formava uma bela dupla de ataque no Furacão. Pelo Atlético, Adriano conquistou três títulos estaduais (2000, 2001 e 2002) e o título mais importante do Clube, o Brasileiro de 2001.
Mas e o Kleber, o que anda fazendo? Bem, o Kleber, está no Santos, onde é chamado de Kleber Pereira, e é um dos responsáveis pelo peixe ter saído da zona de rebaixamento e chegar próximo à zona de classificação do campeonato paulista. Kleber é o artilheiro do campeonato, com 13 gols. Importante lembrar que em 2001 ele foi artilheiro do paranaense.
O número de jogadores revelados pelos clubes paranaenses e que hoje dão alegria para os times do eixo são muitos, e provavelmente eu esqueça ou desconheça alguns. Em resumo:
Pelo Palmeiras: Henrique e o artilheiro do clube Alex Mineiro (Coritiba e Atlético, respectivamente).
Pelo Santos: Kleber “Pereira”. (Atlético).
Pelo Corinthians: Finazzi e Lima. (Atlético).
Pelo Fluminense: o coração valente Washington, que pelo Atlético teve sérios problemas de saúde e depois se tornou o maior artilheiro da história do campeonato brasileiro.
Pelo Botafogo: Alessandro (Atlético) e Lúcio Flávio (Paraná e Coritiba).
Pelo Flamengo: Kléberson (Atlético).
Mas o desgraçado que mais se beneficia das revelações paranaenses é o São Paulo (tenho um ódio natural pelo São Paulo), que tem em seu elenco o ex-coxa, Miranda, e o trio de atacantes Dagoberto, Aloísio e a “nova” sensação Borges (os dois primeiros do Atlético e o último do Paraná).
E o pior: se os jogadores “decepcionam” nos clubes do eixo, eles retornam para os clubes daqui, onde emplacam de novo e voltam ao eixo ou ao exterior.
E pior ainda: O campeonato paulista é considerado (ou ao menos colocado) como o melhor e o mais competitivo campeonato, mas o que seria desse se não fosse os nossos jogadores?

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Segunda-feira

A luz acende e a penumbra se esconde. Um vulto se aproxima e põe uma caneca ao lado da cama. Demora pouco e me acostumo à luz. Ouço as mulheres comentando, “que horas ele chegou?”, “umas duas horas”, “xiiiiiiiiiii” a voz exclama e se aproxima. Com um tom opressor me pergunta: “Por que deixou o carro de ré? Por que bateu e deixou pra trás pra não aparecer né?”. Tento responder, percebo que a minha voz está enrolada e a boca completamente seca. Com certo esforço consigo responder: “claro que não jacu! Por que a parte traseira é mais alta que a parte da frente. Assim não amassa as flores”. Nossa, que vontade de tomar água, ou um refrigerante. Parece que ela ouve o meu pensamento e me provoca: “tome café”. Tentando manter a farsa de que não estou com ressaca (não que eu estivesse), sou obrigado a tomar o café. Só consigo encostar na boca e aquilo queima feito lava. “Ih, só deu uma bicadinha”, ela diz e sai.
Fico mais um tempo na cama. Sob a desculpa de que vou lavar o rosto vou ao banheiro e consigo tomar água, o que possibilita que eu tome o café. Demoro a conseguir levantar. Termino o café quando já está frio.
Tomo banho e saio de casa, atrasado de novo. Mas a culpa não é da cerveja, me atraso quase todos os dias. Já que vou me atrasar de qualquer forma é melhor beber. A duas quadras cruzo meu amigo, meu parceiro de atraso. Dou uma carona e mudo de caminho, mas na prática não muda nada. Na nossa conversa fazemos o balanço do final de semana e o planejamento do próximo. No balanço percebo que não sou tão louco quanto pensava minutos atrás. Depois que ele vai embora fico pensando no planejamento, mas antes dos dois dias de descanso e curtição têm no meio cinco dias de trabalho, cansaço e compromissos.
Honestamente ainda me sinto no final de semana. Não estou pronto para uma paulada de cinco horas de trabalho, assim repentinamente. Acho que o trabalho não devia ser assim, devia ser de forma gradual. Começava com uma hora na segunda-feira, duas horas na terça e assim até as cinco horas de sexta.
Depois de alguns pensamentos chego ao trabalho. Subo e dou “hoje não” no companheiro de trabalho. Depois de bater comprimento ele e os outros amigos. Vou pro meu núcleo. Deixo minha mala. Sento no computador.
Agora sim. Agora é segunda-feira. Agora começou a semana.