quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O efeito do beijo

Parecia apenas a entrada, mas não. O bar era aquilo ali mesmo. Um corredor com um balcão. “Perfeito” pensou. Sentou no banco e pediu um whisky e guaraná (não tinha tanto R$ pra energético) para o garçom, para o atendente na verdade, geralmente garçons vão até a mesa e lá nem mesa tinha.
Quando a bebida veio ele fez uma mistura desproporcional. Forte. Assim ele queria que fosse a noite. Só ele e a forte bebida. Queria beber para esquecer. Esquecer do trabalho, da chateação da família, da namorada, da preocupação das contas ou de como seria ter que esperar o madrugueiro para ir pra casa.
Termina a primeira dose e o celular toca. Um amigo. Um grande amigo. Não atende. Se atendesse o parceiro iria falar todo animado: “E aí Celso beleza cara? Vamos fazer alguma hoje?”. Mas só de imaginar a empolgação já sentia um pouco de raiva.
Pede mais uma. Um rapaz ao lado tenta puxar conversa. Por incrível que pareça nem sobre futebol ele queria falar. Para encurtar o diálogo/monólogo ele fala de maneira monossilábica. Quando o coxa-branca ao lado dá uma brecha ele vira o rosto e começa a acompanhar Jim Morrison. Tocava Riders on the Storm. Ele canta alto, mais alto que Jim. O torcedor futuro segunda divisão tenta falar, mas a cantoria encerra a conversa de vez.
O álcool vai fazendo efeito. A velocidade com que toma é diretamente proporcional do quão rápido fica bêbado. A raiva e o desejo de esquecimento vão dando lugar a uma eminente carência. Sente vontade de conversar com alguém. Mas não com o amigo que queria ir para a balada ou com um comentarista de futebol que não sabe nem sequer torcer.
Quando pede a quarta dose surge um alguém conhecido. “Mais inconveniente. Uma inconveniente desta vez”. Sem mais nem menos surge naquele bar esfumaçado uma amiga da sua namorada. Teria que falar com quem e sobre o que menos queria.
- E aí Celsinho. Tudo bom?
- Tudo e aí?
- Tudo certinho também. E a Amanda?
Ele demora a responder. Hesita.
- Bem...
- Já entendi.
Celso e Janaína nunca tinham conversado muito. Na sua visão era apenas a amiga de sua namorada. Ex-namorada.
Nunca imaginou que ela era tão legal. Sempre a achou bonita, mas muito fútil. Mas no decorrer da conversa (e do whisky) percebeu que poderia ser sua amiga também. E talvez até mais que isso. A esta altura a conversa já ia para outro rumo. Parecia(m) querer algo.
Foi ao banheiro. Olhou-se no espelho e conversou com ele. Celso e seu reflexo chegaram à conclusão que não poderiam ficar com Janaína. Era amiga da sua namorada, que ele ainda gostava.
Ele volta e a conversa continua. Enquanto ela falava sobre sabe-se lá o que ele pensava que talvez fosse melhor ter comprado logo uma garrafa inteira de whisky. Retorna ao diálogo, que seguia legal.
Sentiu-se à vontade para falar sobre o relacionamento. Revelou a causa do término e como se sentia, mas não disse que queria voltar com ela e nem que ainda gostava da ex. Falou em tom de revolta. Janaína então revelou que também havia brigado com a amiga algumas horas antes de chegar ao bar.
Sua cabeça pensa logo em ficar com a recente amiga. Lembra da conversa com o espelho, mas pensa “não estou mais com ela e elas brigaram. Então... suce”.
Pensando no futuro próximo ele pergunta:
- E aí? E aquele cara que você tava ficando?
Ela responde que não está mais com o rapaz em questão. Os dois sorriem. Por cerca de 15 segundos um sorri para o outro olhando-se hora para os olhos hora para os lábios. Um sorriso malandro e um olhar de desejo.
Aproximam-se e o beijo acontece.
Sente um gosto de vingança. Inevitável não pensar na ex. Inevitável não pensar na momentânea. Fica excitado como a muito não ficava com um beijo. Ela beija firme. Com desejo. A língua vai fundo. Ele começa a ficar tonto. Tenta encerrar o beijo por ali, mas ela o abraça com mais força. A tontura aumenta. Ela enfia a língua na garganta.
E ele vomita nela inteira.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Ela, ela e a operadora

Ele tenta controlar a ansiedade. Mas não dá. Olha o celular a cada instante. Qualquer coisa que faça sua calça mexer é interpretada como a vibração do celular. Qualquer pessoa que ele veja com o aparelho na mão já é razão para que também olhe o seu.
E isto é tudo culpa dela: a garota que está em outra cidade há mais de um mês. Mas não é uma garota qualquer. Garotas há milhares. Mas ela é... Ela.
Ele sabe que é bem do tipinho dela demorar para responder a mensagem. O que já o deixa naturalmente tenso, mas fazer o quê? Esperar, só isso.
Mesmo em uma festa cheia de gente legal ele não consegue esquecer. Jogando truco, conversando, bebendo, não adianta, a cabeça está a quilômetros de distância. Talvez seja melhor deixar o telefone em cima da mesa, assim, se chegar mensagem, ele verá e não precisa ficar olhando toda hora.
Não. Tática falha. Os reflexos fazem a tela brilhar e seus olhos também quando se direcionam ao fone. A esperança se esvai logo. É apenas reflexo.
Há uma linha tênue entre a esperança e a desilusão. Será que ela não quer mais nada? Será que realmente quis um dia? Será que arrumou outro por lá? Será que a distância no tempo e no espaço fez com que ela o esquecesse? As interrogações crescem em sua cabeça a cada minuto de demora.
Eis que todas as dúvidas caem à sua volta quando finalmente chega a mensagem. Ele abre e lê: 'Seus créditos estão prestes a acabar. Faça uma nova recarga no posto mais próximo'.


-----------------

Texto originalmente publicado no jornal Folha de Londrina em 25/03/09.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A foto

Era época de eleição. Naquela noite um dos candidatos que disputava o cargo de prefeito iria visitar um bairro do subúrbio. O comício estava marcado para as 20h30, mas a comunidade estava agitada desde as primeiras horas da manhã. O candidato, além de favorito, era um galã. Elegante, gentil, inteligente, sorridente e carismático.
No horário marcado a associação de moradores fervia. Algumas pessoas que não simpatizavam com o candidato ficaram do lado de fora tomando tubão (refrigerante + pinga), enquanto lá dentro homens, mulheres e crianças se acotovelavam na fila por um pão com lingüiça. O cardápio era completo por risoto. A cerveja também era por conta da casa, o que deixou os bares da região às moscas. Até mesmo alguns dos donos dos botecos poderiam ser vistos no local.
A marchinha da campanha era repetida à exaustão alternando com pagode, samba, axé e música sertaneja. A bebida atraiu um bom número de homens para a associação, mas a maioria do público era feminino. Todos queriam vê-lo de perto, mal acreditavam que ele iria visitar a comunidade.
Comeram, beberam, dançaram, receberam camisetas e adesivos e nada dele. Eis que uma hora e meia após o início da festividade ele chega ao lado da primeira-dama que também já atraia a simpatia do público. Cercado de seguranças, assessores e fotógrafos ele arranca suspiros de quem lá estava. Mesmo sendo programada parecia uma surpresa a sua presença.
O barulho alto silenciou-se quando ele começou a falar. Vez ou outra alguém gritava “é isso aí prefeito”. O ritmo foi seguido durante os 30 minutos em que ele discursou. Ao final, aplausos calorosos.
Todos foram em sua direção quando desceu do palanque. Cercado por homens de preto ele ficou disparando sorrisos e beijos a quem tentava lhe tocar esticando o braço. Dona Arlete com a criança no colo se aproximou. Ele apanhou a criança e a beijou fazendo pose para a câmera. Continuou com a pequena Amanda nos braços durante boa parte da celebração.
Naquela noite o candidato promoveu a alegria do público feminino. Com um banner da campanha ao fundo ele tirava foto com quem desejasse. A sessão de retratos foi intensa. Mais de uma centena de mulheres quis registrar o momento. Meninas, moças, mulheres e avós tiravam foto e a recebiam após alguns minutos.
Dona Izolda foi uma delas. Sorridente voltou para casa na companhia do marido, Seu Alencar, e suas filhas. Uma delas, Rafaela, também teve seu registro com o galã. A outra, Rafaelle, não simpatizava muito com o candidato, mas não perdeu a boca livre.
A foto passou alguns dias sob o criado-mudo “largada”. Depois disso foi para a porta do armário dividir espaço com a foto do casamento e com a foto do casal de filhas. Quando viu, Seu Alencar pediu em tom educado para que Izolda retirasse a foto. Ela respondeu sorridente que não o faria.
A porta do armário era aberta toda noite antes do casal dormir quando Izolda ia guardar a roupa e pegar a camisola. Com o tempo a educação foi dando lugar à grosseria na forma com que Seu Alencar pedia para que tirasse a foto.
Em uma das noites Dona Izolda deixou a porta do armário aberta quando foram se deitar. Ciente de que a mulher sabia sua opinião sobre a foto Seu Alencar nada falou interpretando o ato como provocação. Coincidência ou não o faixo de luz que vinha do poste e passava pela cortina batia exatamente na imagem. Era impossível para Seu Alencar tirar aquilo da cabeça mesmo na hora em que foram fazer amor.
Alencar broxou. Levantou-se enraivecido, pegou a foto, amassou e jogou no chão sem nada falar. Izolda também permaneceu calada apenas se vestiu, virou para o lado e dormiu.
No dia posterior a foto estava lá novamente. Nas duas semanas seguintes nada de sexo, nada de beijo e pouco diálogo. Em uma sexta-feira em que chegou mais tarde depois de ter ido ao bar Seu Alencar encontrou Dona Izolda beijando a foto antes de dormir. Silenciou.
Na manhã seguinte depois do café Seu Alencar deu o ultimato: “ou a foto ou eu”. Não esperou a resposta e saiu de casa. Foi para o churrasco do Edmar. Quando chegou de noite abriu a porta do armário e a foto ainda estava lá. Pegou uma coberta e foi dormir no sofá. E assim continuou.
A eleição passou. O candidato se elegeu. E o casal continuava de leito separado e falando apenas o necessário.
Seu Alencar que comprava um jornal favorável ao prefeito resolveu assinar o jornal concorrente. Quando aparecia na TV ele logo mudava de canal. Quando isso acontecia Dona Izolda o olhava com um olhar de reprovação. O olhar era respondido com o mesmo tom. Era uma das raras vezes que se olhavam.
Passados seis meses de governo um escândalo abalou a cidade. O prefeito estava envolvido em uma maracutaia grande. Seu Alencar dava indiretas na mulher. Fazia de tudo para reforçar a imagem de ladrão que o prefeito ganhou. Nos almoços qualquer assunto comentado pelas filhas terminava com uma acusação ao prefeito feita pelo pai.
Em uma noite no intervalo da novela o casal assistia TV com a cabeça sem virar para o lado de maneira alguma. Olhares fixos na tela. Alzira se levantou e foi até o quarto. Pegou a foto e rasgou na frente do marido. Ele apenas observou. Ela lhe deu um beijo e falou: “você tava certo Alencar. Ele é um canalha”.
E voltaram a ser marido e mulher como antes.

domingo, 20 de setembro de 2009

No ar

Maquiagem ok. Luz ok. Câmera ok. A luz vermelha acende. No ar.
A apresentadora inicia: “Hoje em nosso programa um caso de traição em família. A mulher desconfia que seu marido a traiu com a irmã. Aqui em nosso estúdio o marido Wesley, a mulher Rosalina e sua irmã Leocádia”.
A apresentadora pede para que cada um conte sua versão. E anuncia: “no próximo bloco Wesley vai encara a máquina da verdade”.
Intervalo.
A máquina desenvolvida nos confins da Estônia mede o tom da voz do sujeito, se detectar um tom inseguro é considerada mentira. A true-machine é controlada por um psicólogo de renome internacional.
Wesley passa pela máquina. Sua sinceridade é de impressionar até mesmo a experiente apresentadora. Suas opiniões sobre a fidelidade são contundentes. “Olha Rosalina, só pelo que esse homem disse até agora e que a máquina constatou ser verdade, por mim já é suficiente para que você largue ele”.
A platéia, que em sua totalidade é feminina, aplaude. Ela aproveita: “isso inclusive está presente no meu livro mais recente...”.
E agora vamos para a pergunta final: “Wesley, você traiu sua mulher com a sua cunhada?”. Ele respira fundo, e quando vai responder...”antes disso o Carlos tem um aviso para nós”. O anunciante faz sua parte e o programa retorna.
Então agora vamos à pergunta decisiva: “Wesley, você teve um caso com sua cunhada Leocádia?”. Ele responde com convicção de maneira negativa. “E agora vamos ao veredicto da máquina. Ele disse que não traiu Rosalina com sua irmã, e para a máquina... mentiu”.
Rosalina leva as mãos ao rosto. Wesley faz cara de desentendido, como se fosse um absurdo o resultado. Leocádia faz cara de indiferente.
“Olha Rosalina eu já tinha dito antes pra você largar dele. Agora então se você continuar com ele significa que você gosta de ser enganada. E aí Rosalina, você vai continuar com esta mentira que é o seu casamento?”. Leocádia mal consegue falar de tanto chorar. Resmungando diz que jamais vai olhar na cara do marido.
A psicóloga presente avalia o caso de acordo com sua especialidade e faz uma explanação sobre a insegurança feminina.
A apresentadora anuncia a próxima atração da programação e fim.
Os auxiliares vêm tirar os microfones. A apresentadora vai conversar com a psicóloga.
A equipe de produção encaminha cada um dos envolvidos no caso para um lado. Cada van leva para casa um dos personagens da história daquele dia.
Rosalina chega em casa primeiro e fica pensando no ocorrido. Wesley chega um pouco depois.
Ele entra e os dois trocam olhares. Ela começa o diálogo:
- Então Wesley, cê num tem nada pra me falar?
- Desculpa Rosa. Desculpa.
Ele se ajoelha e junta as mãos.
- Levanta daí hôme. Fez e agora fica aí chorando.
Ele levanta e a dá um apertado abraço. Ela continua com os braços para baixo. Passados cinco minutos ele fala:
- Desculpa Rosa. Eu amo você. Vamos voltar como era antes.
Ela também o abraça forte. Dá-lhe um longo beijo e diz:
- Eu também te amo meu marido.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O homem cachorro

O sol batendo no rosto não foi suficiente acordar. Foram necessários vários cutucões da dona da mercearia na frente da qual dormia para abrir o olho.
Levantou, pegou a garrafa de caçacha (vazia), seu cobertor e o resto das coisas.
- Bom dia Dona Lurdes. Desculpa não levantar a hora que a senhora abriu.
- Tudo bem Edgar. Sem problemas.
- Tem um pãozinho sobrando aí Dona Lurdes?
- Hoje não tem.
- Tá bom. Brigado.
Queria continuar a dormir, mas como não tinha mais lugar para se deitar teve que vagar. Já dormiu em frente a quase todas as casas da região.
No bolso 2 R$. Insuficiente para uma refeição, mas na medida para uma garrafa de plástico de pinga. Era cedo para isso.
Era hora de comer, depois de muito vagar ficou em frente ao restaurante. Observava toda aquela gente comer. Ele e um cachorro ao seu lado. Depois do último cliente deixar o local ele se aproxima. Fica esperando na entrada. Quando o dono vem fechar o portão ele pergunta:
- Ô patrão, sobrou um pratinho de comidaê?
- Sobrar até que sobrou, mas não posso te dar se não suja pra mim.
- Beleza.
Saiu de lá e ficou conversando com o cachorro ao seu lado. Imaginou que seria muito melhor passar mal com a comida a passar fome. Na próxima vez faria um trato com o dono do restaurante, caso passasse mal não contaria a ninguém. Mas enquanto isso a fome continuava.
Se comece algo que não fosse uma refeição, como um salgado, ficaria com mais fome ainda. A solução seria amenizar com um cigarro.
Mas não adiantava pedir para qualquer um. Geralmente as pessoas fingiam que não o viam. Ele vai até a rua onde os piás do bairro andavam de skate. Pede cigarro a um deles, que reluta mais lhe cede um.
Caminha um pouco e senta para fumar. Enquanto fuma pensa na ex-casa. Bate uma saudade da sua mãe. Morava com ela e os três irmãos. Já era alcoólatra. Quando a mãe faleceu seus irmãos o expulsaram.
O cigarro acaba. Guarda a bituca. Volta a vagar. Fica um tempo em frente à igreja. Dá muitas risadas da gritaria vinda de lá.
Quando chega às 7 horas fica em frente à panificadora. Nesse horário todos saem do trabalho e passam ali para comprar pão. Vai que dá sorte e lhe dão alguma coisa para comer. Não foi dessa vez.
Tá na hora. Vai até a distribuidora e compra cachaça. Bebe devagar. Bate forte na barriga vazia. Senta-se com o cachorro.
Com o calar da noite mais cachorros surgem, se aproximam e ali ficam. Quando acaba a cachaça ele apóia a cabeça no joelho e dorme.
Ele cai ali junto aos cães.
Acordou no outro dia sem ninguém o tocar de onde estava. Quando começou a caminhar ninguém o olhava com ar de descriminação. Parou em frente ao mercado e lambeu as patas. Percebeu então que tinha virado um cachorro.
Foi até a mercearia onde dormiu na noite passada. Dona Lurdes estava abrindo. Viu o cachorro ali. Abaixou-se e ficou um bom tempo fazendo carinho. Ele abanou o rabo. “Espera só um pouco que tenho uma coisa pra você”.
Ela entrou na mercearia e voltou com algo na mão. Edgar enfim ganhou um prato de comida.


----
Desculpem-me os poucos, mas fiéis leitores pela demora ao atualizar. Estive passando férias na Argentina. Essa vida de desempregado às vezes pede férias.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Glória e decadência

Quando eu andava parecia que todo mundo me olhava, quando passava as pessoas até me apontavam e falavam “olha lá o cara que fez o gol”. Mas toda a bajulação foi embora em menos de uma semana. Mas o que importa é que um dia eu fui o cara, o bam, bam,bam, o XXX na escola.
Eu estudava no segundo ano do segundo grau e tava rolando um campeonato de futebol lá no colégio. O primeiro jogo foi bem disputado, jogamos com uma outra turma do segundo ano. Entrei no segundo tempo. O jogo terminou 0 x 0 e fomos para os pênaltis.
Eu não queria bater, seria muita responsabilidade se eu errasse, o meu time seria eliminado no primeiro jogo. E os pênaltis foram indo “lá e cá”. Ninguém errava. Mas na penúltima cobrança do time dos caras o melhor jogador deles inexplicavelmente errou. Se o nosso time fizesse o gol nós passávamos. No nosso time tinha sobrado só dois jogadores: eu e o Hélisson, o melhor jogador do time. Nos olhamos e ele falou para eu cobrar.
Fiquei um pouco mais confiante quando ele me deu essa responsabilidade. Acho que na verdade ele queria cobrar por último, por que imaginava que eu iria errar. Quando coloquei a bola no lugar pude ouvir alguns companheiros de time falando pro Hélisson: “Vai você piá. Tá loco? Deixar o fogo cobrar...”.
Me bateu uma incerteza. Será que eu metia o bicão pra colocar a bola e o goleiro pra dentro do gol? Com o peito do pé? Ou com a chapa? Fiquei com medo de bater forte e jogar a bola longe do gol e quebrar uma janela do Colégio (nunca fiz isso, mas era muito comum por lá). Resolvi bater colocada no canto do goleiro. São poucos os que conseguem pegar uma bola no cantinho inferior.
E esse não foi exceção. Fiz o gol e o colégio veio abaixo. Todos comemoraram meu gol. Vibraram. O meu time e uma grande parte das pessoas que assistiam ao jogo vieram comemorar comigo. Eu tinha um certo nível de popularidade na escola.
No outro dia de aula cheguei e todo mundo sorria pra mim. Eu estava com um bom status com o time e com a escola inteira. Na minha sala era o herói. Fui o responsável por levar meu time à próxima fase (pelo menos eles achavam isso), o que não era esperado. Batemos um bom time e honestamente o nosso time não era lá aquelas coisas. A próxima partida seria no outro dia.
Novamente entrei no segundo tempo. Nosso time já levava uma sacola. O jogo era contra um time do terceiro ano, que contava com uns caras bons. O goleiro lançou para o jogador que estava atrás de mim. Eu não consegui cabecear para cortar o lançamento. Se ele pegasse a bola seria gol. Sem pensar muito meti a mão na bola e...expulsão.
Todos me julgaram e condenaram pela derrota. Não entendi. Não tive culpa. O time já perdia antes d’eu ser expulso e não iria ganhar se eu continuasse em campo. Na real, também não fui o responsável pela vitória anterior. Só fiz o gol como os meus companheiros que tinham cobrado anteriormente. Mas sempre tem que ter um responsável.
E os meus dias de glória passaram.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

A coceira

Fernando saía todos os dias de manhã para trabalhar e deixava Janaina em casa. Voltava à noite e ela estava lá com o jantar aguardando. Todo dia ela fazia tudo igual, o sacudia às seis horas da manhã, lhe sorria um sorriso pontual...(enfim, vocês conhecem a música né?).
O trabalho era intenso, mas não lhe faltava tempo para pensar na mulher. Quando podia ia almoçar em casa, mas eram raras vezes. A ligação para Janaína era sagrada depois do almoço e antes de voltar à labuta.
Certa vez trabalhando sentiu uma coceira incômoda na testa. Não passava de jeito nenhum. Passou praticamente a tarde inteira trabalhando apenas com o braço direito, enquanto o esquerdo estava ocupado com a testa. Naquela noite ao chegar em casa encontrou um fio de cabelo loiro no cangote de Janaína. Estranhou, mas nada falou. Detalhe importante: ele tinha cabelo castanho e ela era ruiva.
A semana passou normalmente. Na outra terça-feira a coceira tornou, desta vez de manhã. Na hora do almoço ligou para casa e Janaína não atendeu.
Os fatos se repetiram durante muito tempo. Toda terça a coiceira na testa vinha acompanhada de um fato incomum no lar. Concluiu: Janaína o traia.
Continuou silenciando sobre o assunto. Para ele era cômodo continuar a relação mesmo com a traição.
A coceira continuava. Já estava acostumado com a cornice coceira. Mesmo continuando o incômodo era menor. Ia reduzindo. Já nem era mais aquela coceira impertinente de antes. Chegou a ficar feliz pelo fato de achar que ela o traia com apenas uma pessoa, dadas as reduções do chifre infortúnio.
A coceira já estava praticamente parando. Mas um fato novo o deixou deveras preocupado. Subiu um frio pela espinha e não conseguiu trabalhar mais naquele dia. O fato era realmente preocupante, o que o levou a ficar possesso: naquela terça sentiu uma coceira no ânus.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Abrem-se as cortinas

Após preparação, ensaios, aquecimento, conversas, brigas, estudo, quando acendem as luzes e abrem-se as cortinas está tudo na mão dos atores.
O diretor, o principal responsável pela peça, tem que se segurar, rezar, agoniar, rir, chorar, espernear, mas fazer tudo longe do palco. O sucesso ou o fracasso irá recair sobre as suas costas, a pessoa que não pode influir no decorrer do espetáculo.
Se quiserem os atores podem zoar o quanto quiserem. Podem sacanear uns com os outros, podem fazer piadas, felizes ou infelizes, em meio ao texto (botar cacos). Qualquer deslize do diretor pode ser vingado durante a peça.
O medo está presente em todos. O branco assombra. Ao olhar aquela platéia, a parcela que a luz forte possibilita enxergar, não há quem não sinta as pernas tremerem. Os olhares atentos direcionados ao palco têm poder estremecedor. E tudo está nas mãos dos atores.
Aquele olhar, abraço e beijo antes da peça pode ser decisivo. O que pode evitar um vexame é a confiança. A fala sincera “confio em você” faz com que tudo ocorra bem, tanto no teatro quanto no futebol.

Obs: Texto criado após Cuca ser derrubado pelos próprios jogadores do Flamengo, após o atacante Dentinho mostrar uma camisa escrita “
100% Lulinha” na rodada do campeonato brasileiro desta noite, e depois de eu assistir à mini-série Som e Fúria (nesta ordem).

terça-feira, 7 de julho de 2009

Decisão errônea

A decisão foi tomada à contra gosto de João, e principalmente de Madalena. Mas não tinha jeito, ela teria que usar.
O consenso surgiu após uma das milhares de discussões depois que João voltou de viagem. Ele era caminhoneiro e passava a maior parte do tempo viajando. Ao chegar de suas excursões encasquetava que Madalena estava o traindo. Dona de casa, Madalena dificilmente saía do lar e passava a maior parte do tempo fazendo seus crochês, bordados e tricôs, tendo como únicos companheiros a TV e o rádio. Era uma mulher que dificilmente alguém desconfiaria, exceto João. Lena jurava de pés juntos que não traia, mas para João ela não era convincente.
Apesar de invocar com Lena, João a chifrava à exaustão durante suas viagens. O peito peludo e o braço esquerdo bronzeado eram mais um dos milhares que podiam ser vistos nas casas de luz vermelha. Aquela regata apertada que deixava transparecer sua forma física e o boné que parecia flutuar na cabeça eram reconhecidos e saudados pelos gerentes nas casas de mulheres da vida. Enquanto isso Lena se ocupava com os afazeres domésticos e a sua novelinha.
Para encerrar de vez mais aquela discussão Lena falou da boca pra fora: “João, pára de me encher hôme. Se precisá eu uso até um cinto de castidade quando você for viajar”. E ele aceitou a proposta. Esse foi o resultado daquela D.R., que prometia ser a última.
Sabe-se lá como, mas João conseguiu o cinto, em pleno séc. XXI. Era de couro, com cadeados nas extremidades. A colocação foi constrangedora para ambos. Mas era necessário (pelo menos na cabeça de João). Assim ele não ficaria com a pulga atrás da orelha quando viajava e Lena não iria ter que agüentar a desconfiança.
João a abraçou, beijou e pegou a estrada. Ao entrar no caminhão fez a sua oração, beijou o crucifixo e a imagem de São Cristóvão.
Ele que deixava algum dinheiro na beira das estradas naquela viagem nada fez. Foi uma das únicas vezes que voltou para casa sem visitar as suas meninas (suas e de milhares de caminhoneiros). A consciência pesou. Não era justo trair enquanto a coitada da Madalena estava com aquele incômodo objeto. Dormiu todas as noites agarrado à foto do casamento.
Madalena encarou com naturalidade. A novela e o crochê continuavam os mesmos. Mas lá pela terceira semana bateu a revolta. Como podia ela, mulher fiel, se submeter a tal desconfiança? Tomou coragem, e muita, mas traiu João pela primeira vez.
Sorte do chaveiro.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

4 unidades

Sacou o cartão telefônico para ligar para a namorada. 4 unidades. Discou. A moça atende e ele ouve música alta ao fundo.
- Oi amor.
- Hã?
- Oi amor tudo bem?
- TUDO BEM E VOCÊ?
- Aonde você tá?
- Hã? Não to te ouvindo direito.
- Aonde...você...está?
- Então amor, tô aqui no bar da facu com a Lu e o pessoal da sala.
- Então tá bom.
- Amanhã a gente se fala tá? Beijotchau.
Ela nem deixa ele se despedir e desliga. “Ah Filha da ****. 'tô aqui no bar da facu com a Lu e o pessoal da sala'. O trouxa aqui achando que a gente ia sair hoje e ela lá, 'com a Lu e o pessoal da sala’. Tá fu****”.
Ele olha para o fone e verifica se ainda está em condições de uso depois da violência com que colocou no gancho. Está.
Enraivecido ele fica com a cabeça baixa dentro do orelhão maquinando a vingança. Na escuridão do orelhão ele encontra o túnel no fim da luz. “Kero sexo 9611-XXXX”.
As pernas tremem. 2 unidades. Ele liga.
- Alô.
- Quem fala.
- Angélica.
- Oi Angélica. Vi seu telefone em um orelhão dizendo que você queria sexo. É verdade?
- Vai tomá ** ** seu ***** ** ****. Vai arrumar o que fazer seu ********.
“Merda”. Tira o cartão rápido, mas não evita que o telefone faça aquele barulho que avisa que o cartão foi esquecido. O barulho o enraivece ainda mais. Senta no meio-fio e pensa. Pensa. Pensa. Pensa.
“Tô aqui no bar da facu com a Lu e o pessoal da sala”, a frase ecoa na cabeça.
Levanta. Olha o orelhão e pega um cartão que ali estava:

Greycy
Loira Sensual
Alta e magra
Completinha
Local próprio e central
0800-XXXX

Ele se pergunta “o que seria uma garota completinha? Será que indica que ela tem cabeça, corpo e membros?”.
Resolve conferir. Antes de conferir o quão completa a garota era ele dá uma espiada na carteira. 10 reais.
“É...10 reais e uma unidade”.
- Alô.
- Daê mano, beleza?
- Beleza e você?
- Beleza.
- Tá em casa?
- Tô.
- Vamo tomá uma bera?
- Partiu.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

"Isso nunca aconteceu comigo antes"

- Isso nunca aconteceu comigo antes.
Disse ele morrendo de vergonha. Ela tenta ser compreensiva:
- Calma, vamos tentar de novo.
Ele tenta e nada. Passa daqui, aperta dali e não funciona. Ele estava cansado e a esta altura queria ir logo embora.
- Mas e agora que eu já usei os serviços?
- Calma. A gente dá um jeito. Vamos tentar de novo.
Mais uma falha. Ela tenta aconselhar:
- Acontece com todo mundo. Aqui tem acontecido direto.
- É culpa da minha mulher, que fica gastando dinheiro à toa e não sobra pra pagar as contas. Isso vem tirando meu sono.
Responde ele impaciente enquanto ela o olha com certo ar irônico. Ele continua falando:
- Calma. Eu vou te pagar de alguma forma.
Ficam alguns instantes em silêncio olhando um para o outro.
- Paga no crédito então já que no débito não tá passando.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

O ritual

Era sagrado, apesar de a religião passar longe dali. O ritual começava todas as sextas às 19h. Depois do trabalho eles estavam a postos no mesmo lugar, nas mesmas posições que há 30 anos. A mesma mesa, as mesmas cadeiras (com exceção da de Carlinhos, que teve que ser trocada devido aos quilinhos que ele ganhou com o tempo. No encontro 437 a cadeira quebrou), mesma posição, mesmos assuntos, as mesmas caras. Alguns cabelos caíram, outros embranqueceram. Alguns engordaram (a maioria), outros emagreceram. Muita coisa mudou, mas a amizade continuava a mesma e tornava-se cada vez mais intensa a cada reunião.
Ninguém podia sentar no lugar deles. O seu Laurindo (“graaande seu Laurindo”) não deixava que ninguém se assentasse lá no primeiro dia do final de semana. Só faltava interditar o local para que ninguém se aproximasse. E no primeiro suspiro do final de semana lá estavam eles: os oito amigos que freqüentavam o mesmo bar na faculdade e se encontravam toda semana desde então.
Exceto o Brandão, que sempre chegava atrasado, todos estavam lá no mesmo bat-horário, no mesmo bat-local. Chuva, gripe, trabalho, estudo, filhos, família, frio, carro estragado, nada era desculpa para não estarem lá. O Compromisso era inadiável. Certa vez o Falcão deixou de ir ao velório da própria mãe para ir à reunião.
O bar era um local sagrado. O seu Laurindo (“graaande seu Laurindo”) já tinha pensado em fechar devido à dificuldade financeira, mas os amigos emprestaram dinheiro a ele apenas para não fechar. Houve um período em que só abria na sexta, e não foram raras às vezes em que estavam apenas os nove no recinto (os amigos e o seu Laurindo (“graaande seu Laurindo”)).
Carlinhos senta-se na ponta esquerda, na direita o polenta (sem relação alguma com suas posições ideológicas). Para sair sem incomodar ninguém nas milhares de vezes que ia ao banheiro o Gordo senta no primeiro lugar da esquerda para a direita no lado da mesa que fica de costas para o bar. Ao seu lado ficam Elvis (que tem esse apelido por ser fã do cantor) e Brandão. De costas para a parede ficam Tito, Alfredo e Falcão, que ficava de costa para a parede para poder ver todas as meninas do ambiente, que eram várias quando começaram a freqüentar o local.
Em uma das noites Polenta conheceu a sua primeira esposa com que teve três filhos. Agora eram todos casados e não iam mais lá para olhar as meninas. Estavam todos comprometidos e nem as meninas nem a visão eram as mesmas.
Logo ao sentarem faziam um balanço semanal. Contavam o que aconteceu em casa e no trabalho. Comentavam o futebol, faziam piadas, recomendavam livros e filmes. Discutiam política. E sempre terminavam a jornada da mesma maneira, já motivados pela birita surgia o tom de nostalgia e relembravam os velhos tempos.
Era sempre igual. A mesma coisa. Por 30 anos o mesmo ritual. A mesma cerimônia. A mesma conversa. O mesmo destino. Todas sabiam, mas mesmo assim não tinha nenhuma das oito mulheres que não torcia o nariz quando eles falavam “vou para o bar com os meus amigos”.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Graça, sentimento e cérebro

por Verônica Medeiros*

A vida é mesmo muito engraçada. É interessante perceber como os caminhos do coração tomam rumos inimagináveis e incompreensíveis. Mais curiosa ainda é a relação homem-mulher. Animais racionais que se tornam completamente irracionais quando o assunto é amor/paixão/obsessão.
Qual é a dificuldade de um amor ser seguro e intenso do primeiro beijo até o primeiro ano de namoro? O problema é a carência crônica da mulher e a paciência limitada do homem. Tpm, que TORMENTO pré-menstrual é esse? Que é capaz de mexer com uma mulher a ponto de levá-la do céu ao inferno em segundos, de fazê-la chorar ou se conformar detonando uma barra de chocolate, de ser a melhor saída para aquele momento ‘trágico’ e, logo depois, sentir-se uma gorda-ansiosa-compulsiva por causa daquele mesmo chocolate. Os homens fazem parte do time inteligente da relação. Racionais versus passionais. Entendem que a tpm é uma ‘fase’ chata e que complica a vida de todas as mulheres – das mais seguras até as mais neuróticas -, mas não conseguem suportar as reclamações clichês de “você não me dá atenção”, “você ainda me ama?”, que surgem nessa mesma fase chata da vida da mulher.
Complicado tentar entender as cabeças desses seres tão diferentes, mas tão interligados. Livros que pontuam exatamente o que homens e mulheres pensam não estão com nada. Todas as mulheres são inteligentes o suficiente para discernir o certo do errado, o triste do feliz, o bom do ruim. Todos os homens conseguem distinguir a louca da ciumenta, a obcecada da apaixonada, a certa da errada e, principalmente, que todas as mulheres, no fundo, são iguais. Existem as descaradas, as discretas, as solteiras, as comprometidas, as que já fizeram, as que ainda vão fazer, as que não repetem os mesmos erros, as que aprendem, as que não aprendem. No fundo, toda mulher é, simplesmente, mulher.
Por isso, acreditar que fulana nunca faria isso ou aquilo, porque parece ser uma ‘boa’ menina, é lenda. Mesmo as ‘boas, inocentes e ingênuas’ meninas são capazes de cometer erros e loucuras quando se apaixonam. Todas, absolutamente todas as mulheres sabem como e o que fazer para conquistar ou desvirtuar o caminho de um homem.
A vida é, realmente, muito engraçada. Os relacionamentos, então, uma grande piada.


*Verônica Medeiros é jornalista e amiguinha buni do dono deste blog.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Mas... (final alternativo)

Ele não sabe se arrisca ou deixa para a próxima vez.
Mas e se não tiver próxima vez? Melhor arriscar.
Mas e se tomar um tapa na cara? Melhor não arriscar.
Mas e se ela não estiver tão bêbada no próximo encontro e perceber a grande burrada que cometeu? Melhor arriscar.
Mas e se ela estiver afim de algo mais sério e ele jogar fora as chances? Melhor não arriscar.
Mas...ah, que mulher aceita dormir na casa do homem e não vai querer nada? Melhor arriscar.
Mas ela se fez tanto de difícil até agora. Melhor não arriscar.
A dúvida povoa sua cabeça, ou melhor, suas cabeças. Ele não sabe com qual delas pensar. A vontade de arriscar a aproximação é grande, levando-se em consideração o tempo em que estava na seca. Se conseguisse seria maravilhoso. Ele queria e até certo ponto precisava daquilo. Seria a conclusão do ato a que ele se dispôs quando decidiu conversar com ela. Foi a primeira coisa que pensou quando a viu dançando. Aquele quadril balançando na pista, mesmo entre muitos outros foi o daquela moça que o chamou mais a atenção. E agora o seu sonho de consumo (ao menos naquela noite) estava ali, só ele, há poucos palmos de distância. Mas...
Por outro lado, percebeu que ela não era apenas um sonho de consumo noturno. Aquela menina era especial. Ela era realmente interessante, não só fisicamente. Ela era inteligente. Era simpática. Seria até um pecado usá-la daquele jeito. Ela não era daquelas para uma noite e nada mais. Valia a pena um investimento. E uma tentativa falha poderia jogar por água abaixo tudo o que poderia acontecer no futuro. Mas...
Mas ele resolveu seguir a filosofia que vinha seguindo nos últimos meses: a filosofia do foda-se. Influenciado pelo álcool ele decide arriscar. Arriscar não, conseguir. Estava realmente decidido.
Ele se aproxima e a abraça. Ela se aconchega em seus braços, isso serve de grande estímulo. Ele segue em frente seu plano. Dá um beijo atrás da orelha. Ela dá um sorriso safado. O aval foi cedido. Mão por baixo da blusa. Barriguinha. Seios. Faz uma longa prévia até que resolve colocar a mão por dentro das calças. Seguindo o caminho indicado pelos pêlos que partiam do umbigo chegou aos pêlos pubianos. Devarinho. Quando estava quase chegando lá a voz que até então era delicada se torna grossa e exclama:
- Tira a mão daê rapá.

Mas... (versão original*)

Ele não sabe se arrisca ou deixa para a próxima vez.
Mas e se não tiver próxima vez? Melhor arriscar.
Mas e se tomar um tapa na cara? Melhor não arriscar.
Mas e se ela não estiver tão bêbada no próximo encontro e perceber a grande burrada que cometeu? Melhor arriscar.
Mas e se ela estiver afim de algo mais sério e ele jogar fora as chances? Melhor não arriscar.
Mas...ah, que mulher aceita dormir na casa do homem e não vai querer nada? Melhor arriscar.
Mas ela se fez tanto de difícil até agora. Melhor não arriscar.
A dúvida povoa sua cabeça, ou melhor, suas cabeças. Ele não sabe com qual delas pensar. A vontade de arriscar a aproximação é grande, levando-se em consideração o tempo em que estava na seca. Se conseguisse seria maravilhoso. Ele queria e até certo ponto precisava daquilo. Seria a conclusão do ato a que se dispôs quando decidiu conversar com ela. Foi a primeira coisa que pensou quando a viu dançando. Aquele quadril balançando na pista, mesmo entre muitos outros foi o daquela moça que o chamou mais a atenção. E agora o seu sonho de consumo (ao menos naquela noite) estava ali, só ele, há poucos palmos de distância. Mas...
Por outro lado, percebeu que ela não era apenas um sonho de consumo noturno. Aquela menina era especial. Ela era realmente interessante, não só fisicamente. Ela era inteligente. Era simpática. Seria até um pecado usá-la daquele jeito. Ela não era daquelas para uma noite e nada mais. Valia a pena um investimento. E uma tentativa falha poderia jogar por água abaixo tudo o que poderia acontecer no futuro. Mas...
Mas..., mas..., mas..., qualquer pensamento terminava com um “mas”. Ele precisava decidir antes que amanhecesse e tivesse que ir trabalhar.
Ele pensa, pensa, pensa, pensa, pensa e...cai no sono.

* Amanhã será publicada outra versão do texto, com final diferente.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Cigarro Curitibano

Comprei um solto (to tentando parar) e fui até a praça pra fumar. Fiquei olhando as pessoas procurando alguém que estivesse fumando. Um senhor mal encarado. Um casal. Um cara sujo, mas bem vestido. Uma menina falando ao telefone. E finalmente um carrinheiro fumante. Peço o isqueiro emprestado. Acendo e seguindo a regra de todos os outros curitibanos dali sento em um banco sozinho.
Fumo devagar, curtindo. Enquanto observo a praça e as pessoas fico pensando na vida, na mina e na peça que acabo de perder por chegar atrasado. A noite não estava fria, tinha uma brisa, mas tava maneira.
O cigarro estava chegando ao fim, na terceirinha, como chamava-mos na cadeia, quando o cara sujo mas bem vestido levanta-se. Antes de seguir seu rumo me olha e volta. Eu já sabia o que ele iria pedir.
- Tem um cigarro aí!?
- Puts cara. Pior que não tenho. Comprei esse aqui só. Foi mal.
Ele abaixa a cabeça como quem dá um breve cumprimento e sai. Achei estranho aquele cara. Ele não era um morador de rua. Estava bem vestido de acordo com os padrões da sociedade, mas estava sujo. E não era sujeira de trabalho, era sujeira da rua. Mas não era um morador de rua (aparentemente). Ele tomava uma garrafa de refrigerante (e aparentemente era mesmo refrigerante). Meu instinto de jornalista (parecido com o do Peter Parker) me diz que preciso averiguar. Resolvo chamá-lo.
- Hey.
Ele olha e levanta rapidamente a cabeça como quem diz “que quê foi?”.
- Chegaí.
Desconfiado ele vem até mim.
- Sentaí, vamo troca uma idéia.
Ainda ressabiado ele senta.
- Cê mora onde?
- Tô dormindo numa marquise ali perto do Passeio Público.
- Mas faz tempo que cê mora ali?
- Duas semanas.
- E antes? Morava onde?
- Lá no Sitio Cercado.
- E por que ta ali agora?
- Perdi o emprego e não tive grana pra pagar o aluguel, que já tava atrasado. Agora tô aí na rua.
- Pode crê.
- ...
- ...
- Crise né!?

- Pior que é.
- ...
- ...
- ...
- Tem um cigarro aê?
- Puts cara. Pior que não tenho. Comprei só um. Foi mal.
E foi-se embora.

terça-feira, 17 de março de 2009

A princesa

“Cara, saca só que princesinha!”, comentou Renato com seu amigo quando estavam no forró da vila. Ele demorou um pouco mais do que deveria, mas foi conversar com a mocinha. Ao iniciar a conversa sua observação inicial foi confirmada, era mesmo uma princesinha. Seu modo de falar educadamente, sua forma de ouvir com atenção, a voz calma e suave completavam a mocinha de vestido de cetim. Naquela noite ela se tornou a sua princesa.
Para conquistá-la Renato não precisou lutar contra dragões, bruxas ou convencer um carrancudo rei, mas teve que demonstrar um pouco do que não estava acostumado: educação. Renato era daqueles que viviam com os piás da rua e as meninas com quem andava, falava e ficava eram tão piás quanto ele.
Agora deveria ter muita cordialidade com a princesa, que continuou a encontrar depois daquele dia. Sempre que conversavam Renato se esforçava ao máximo para não falar palavrões. Os amigos até comentavam que ele não parecia mais o mesmo. Aumentou até a freqüência com que tomava banho e escovava os dentes.
Os encontros foram intensificados e agora eram no mínimo diários. Se viam sempre depois da Malhação na rua de trás do prédio dele ou na quadra de esportes do condomínio dela. Certa vez conversavam lá quando ela derrubou no concreto duro da quadra o celular que acabara de comprar com seu primeiro salário. O aparelho quicou no chão e antes que batesse pela terceira vez Camila gritou: “Ôôôôôôôôôôô B*****!”.
Renato foi embora espantado e reflexivo. Nunca imaginaria que um dia ela fosse falar um palavrão. Não pensaria nem mesmo que ela poderia conhecer algum. Mal conseguiu dormir pensando naquilo. Será que Camila era apenas uma princesinha de araque?
Continuaram a se encontrar normalmente. Ele achou melhor não comentar. Passado o baque do rapaz ela começou a falar mais e mais palavras de baixo calão. Ele foi se acostumando. Pensando bem era melhor assim. Já estava cansado de se fazer de santo pra ela. Tornaram-se o casal mais boca suja do bairro, mas Camila foi eternamente a princesinha do Renato. Eles casaram, tiveram filhos e viveram felizes pra C******.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Da sério O Rei da Gafe: Ráááááá

No nosso último episódio (cacete, quanto tempo): Mensagem errada, na hora errada, pra pessoa errada, enfim, todo errado.
Hoje: “O cara” dá um susto mal sucedido na pessoa inapropriada.

Sim amigos, nosso super-herói estava desaparecido, mas quando a necessidade pede ele surge com sua imensa cara de pau e sua capacidade de ficar com a face corada em questão de segundos. E mais uma vez o ambiente de trabalho é o palco de suas aventuras.
A sexta-feira estava ensolarada e todos foram trabalhar com a faceirice estampada na cara. Risadas, piadas e animação ditavam o ritmo de trabalho eis que surge a frustração. A chefe, que não desfrutava da mesma alegria, como um cachorro vira-lata chega, dá uma grande mijada e vai embora. Vai embora e a alegria...Não volta mais. Nem a vontade de trabalhar.
Ao longo do dia a enrolação toma conta do ambiente. Duas horas de almoço invés de meia hora. As risadas prosseguiam, mas com um tom de frustração. Também, depois daquela comida de rabo o dia não podia prosseguir naturalmente. Mas ele, o grande, surge para salvar o dia, o final de semana, e devolver o sorriso às carinhas tristes.
Há meia hora para o término do expediente o trabalho é intenso. Intenso mesmo. Como enrolaram o dia inteiro a última meia hora ficou sobrecarregada. Ele e outros três amigos ouvem alguém subindo pelas escadas de madeira. Um deles olha pela janela, abre os braços e faz uma cara de dúvida. Fica por isso.
Todos entranham o fato de a pessoa não ter entrado na sala em que estavam. O intruso fica mexendo na biblioteca, o que dificilmente acontecia sem que falassem com quem lá estava. Nosso paladino estufa o peito e decide averiguar quem era. Melhor: resolve assustar o funcionário que chegou lá e não falou nada. Ele abre a porta rapidamente e grita: “Ráááááá”.
O resultado é inesperado. O susto é maior nele do que no suposto assustado, pessoa esta que ele acreditava ser um funcionário, mas era um visitante desconhecido. A pessoa sentada há cinco metros de distância olha pra ele como quem diz: “O que esse idiota tá fazendo?”. Ele também desfruta do mesmo pensamento quando é questionado por um dos colegas:
- Fogo, o que foi isso?
Ele não soube responder. Passada a meia hora restante de trabalho ele vai embora e envergonhado se desculpa com a visita, que foi embora no dia posterior para Manaus-AM e nunca mais voltou. Não sei por que.

----

Aos poucos, mas fiéis leitores:
Desculpem-me amiguinhs bunis. Assim como essa Brasila o meu CÉLEBRO (Sic) só funciona depois do carnaval. Mas assim como o Ronaldo o Di-vag está de volta!!!

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Cenoura cuzida. E Andressa também.

Andressa e Cenoura se tornaram a atração principal da festa do aniversário de Maicon, amigo do casal. Devido ao alto teor alcoólico que ambos já carregavam na corrente sangüínea o volume da discussão era igualmente alto. A cada três palavras que cada um dizia quatro eram palavrões. Quando a primeira palavra de baixo calão foi pronunciada a avó de Maicon se engasgou com o pedaço de picanha que mastigava. Maicon tentou intervir várias vezes, mas cada nova investida era respondida com o mesmo xingamento pelos dois. Dada a situação Maicon achou melhor levar a avó octogenária para dormir, ainda com a carne na boca. Assim como a véia os convidados foram se retirando pouco a pouco já cansados de ouvir a discussão onde cada frase se encerrava com um chamando o outro pelo nome completo. Além disso, um gole no copo de whisky lubrificava a breve pausa entre a réplica, a tréplica, a tetréplica e etcetera. Depois de todos os convidados o casal (pelo menos até então) só se retirou depois de terminar a garrafa de Jhonny Walker Black Label.
No dia posterior Andressa acordou primeiro, com a cara amarrada, uma grande dor de cabeça e a vontade eminente de jogar água fervente em cenoura ainda enquanto dormia. Adicionada a sede, cenoura sentiu a mesma vontade quando despertou meia hora depois. Dadas as tendências homicidas de cenoura ele teria o feito se Andressa estivesse no quarto. Quando se levantou o mundo girou e ele foi correndo ao banheiro vomitar. Na cozinha os dois se encontraram e se lançaram um olhar maligno. Disputaram o mesmo copo d’água que cenoura acabou cedendo. Depois que os dois tomaram a água que possibilitou que pudessem falar Cenoura perguntou ainda raivoso:
- Por que a gente brigou ontem, caralho?
- Não lembro.
- Nem eu.