quinta-feira, 15 de abril de 2010

Poucássimo

- Você tem pouco tempo de vida.
- Quanto tempo?
- Pouco.
- Pouco quanto?
- Pouco.
- Um mês? Uma semana? Um dia?
- Não posso saber ao certo, mas sei que é pouco.
- Mas é pouco, pouquinho, pouquíssimo ou poucão?
- Poucássimo.
- Poucássimo?
- Poucássimo!
- Poucássimo quanto?
- Poucássimo.
- Poucássimo ou pouquíssimo?
- Poucássimo.
- Poucássimo ou pouquissíssimo?
- Poucássimo!
- Mais de um mês ou menos?
- De dois meses não passa.
- No máximo ou no mínimo?
- No máximo dois meses.
- E no mínimo?
- Uma semana.
- Mais isso é muito tempo.
- Quanto? Uma semana ou dois meses?
- A diferença.
- Que diferença?
- Entre o máximo e o mínimo.
- Você se considera otimista ou pessimista?
- Qual a diferença? Vou morrer mesmo.
- Faz muita diferença.
- Qual a diferença?
- Entre o máximo e o mínimo?
- Não. Entre se otimista ou pessimista.
- Se for otimista irá pensar em dois meses, se for pessimista uma semana.
- E qual a diferença?
- Um mês e três semanas.
- Não. Qual a diferença no final?
- O tempo.
- Que tempo?
- Que demorou para acontecer.
- Tudo bem. Obrigado pela notícia.
- Por nada.
Foi para casa pensando o que faria. Precisava fazer alguma coisa, aproveitar. Algo que não tinha feito até então. Tinha pouco tempo. O trajeto foi feito de maneira automática, como fizera a vida inteira. Ao chegar em casa resolveu fazer o que nunca havia feito na vida. Foi até o quarto e do fundo do armário retirou o 38. Engatilhou e deu um tiro na própria cabeça.
A espera seria muito angustiante.

sábado, 3 de abril de 2010

Merda

Olho pro lado. Não há ninguém. Merda.
Tateio. Celular sem bateria. Merda. Vou ter que levantar. Descubro ser 8h. Deito de novo.
Ligo a TV. Tá rolando um Globo Rural. Merda. Além disso é pastor pra tudo quanto é lado. Lado não, canal não tem lado, pelo menos na minha TV é só pra cima ou pra baixo.
Fico ali meio em transe, divagando enquanto ouço e vejo soja pra lá, mandioca pra cá, feijão acolá e agrotóxico lá pá puta que o pariu. Merda.
Melhor dormir de novo. Fecho os olhos e tento me aconchegar, viro em todas as direções e descubro que nem plantando bananeira consigo dormir. Merda.
Acordo “de novo”. Acendo um cigarro. Daqui a pouco tem o programa de esportes. Minha manhã se esvai frente à televisão enquanto lá fora cai uma chuva torrencial. Olho pela janela e fico admirando a chuva enquanto acendo mais um cigarro. Pareço um cachorro desolado. Merda.
É hora do almoço. Abro o forno na esperança vã de haver algum resto de comida, daquelas de verdade mesmo. Não há nada. Merda.
Miojo de novo. Merda. Galinha caipira. Merda. Como em frente à TV. Merda. Programa do Didi. Merda. Os cara de pau. Merda.
Não dá. Preciso sair e fazer alguma coisa, útil de preferência. Já sei. Vou ligar para alguém. Não tenho crédito. Merda. Acendo mais um cigarro.
Não tem internet. Merda. Meus livros estão lá na mãe. Merda.
A chuva não pára de jeito nenhum. Merda. Quando ameniza e acho que agora vai...o mundo volta a desabar. E o pior é que 21/12/2012 ainda tá longe. É só chuva mesmo. Merda.
As cinco têm futebol pelo menos. Quem joga hoje que eu nem sei? Palmeiras e Bragantino. Merda. Durante o intervalo acendo um cigarro. Palmeiras ganha. Merda.
E agora? Silvio Santos. Merda. Faustão. Merda. Gugu. Merda. Celso Portiolli. Merda.
Vou fumar mais um...merda. O cigarro acabou. Reviro os poucos móveis da casa em busca de um cigarro perdido, uma bituca grandinha que seja. Merda. Procuro em todos os bolsos das calças e blusas e o que encontro no máximo são carteiras vazias. Merda.
Não vai ter jeito. Vou ter que sair. Junto os trocados. Calça, meia, tênis, camisa, blusa e guarda chuva. Merda. Odeio guarda chuvas. Chego em casa molhado até o joelho. Merda. Tanto esforço por causa de uma merda de um cigarro. Merda.
Banho quente. A melhor coisa do domingo de merda.
Fome. Jantar. Miojo. Merda. Legumes. Merda. Lavar a louça. Merda.
Acendo um cigarro. Mais um e mais um. Merda. Devia ter comprado um vinho também. Merda. Mas nem teria dinheiro mesmo. Merda.
Olho o celular. Nenhuma ligação. Merda. Nenhuma mensagem. Merda.
Idéia brilhante. Passo alguns minutos me dedicando ao joguinho do telefone. Dou por mim. Que merda é essa? Jogo o celular. Merda.
BBB. Merda. TV de merda. Acendo mais um cigarro. Começo a tossir como tivesse tuberculose. Merda. Já tá de noite e eu não fiz nada. Merda. Tenho que trabalhar amanhã. Merda.
Última esperança: corujão. Às vezes rola uns filmezinhos da hora.
“Informamos que devido à manutenção dos equipamentos a sessão corujão não será exibida. Boa noite”.
MERDA!


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Curiosidades:
Neste texto a palavra "Merda" foi repetida 47 vezes.
O personagem em questão fumou oito cigarros.

Tá, e daí né? Grandes merda.