quinta-feira, 28 de julho de 2011

Amor adolescente

Estava nervoso, muito nervoso.

Já tinha beijado antes, mas aquele era como se fosse o primeiro.

Estava tão nervoso que seu estômago emitia alguns grunhidos. Ficava ainda mais nervoso com remorso de que ela imaginasse que estivesse arrotando.

A mão suava. Não sabia ao certo como fazer. Não sabia se a agarrava com força e colocava a língua até onde pudesse ou então adotar um tom mais romântico.

Queria muito saber quantos anos ela tinha. Não perguntaria, mas precisava saber. Tinha certeza que era mais velha. Provavelmente todos ali eram mais velhos.

Era apenas a segunda vez que tinha ido ao baile. Sentiu-se muito inseguro na primeira vez. Não sabia se colocava as mãos nos bolsos, ou cruzava os braços. O fato te der mãos o embaraçava. Na dúvida ficou encostado no bar tomando refrigerante. Não se largava à bebida como muitos da sua idade.

Já na primeira vez ficou olhando ao longe a mocinha. Hoje já foi decidido a tirá-la para dançar. Ela demorou para responder, mas com um sorriso deu-lhe a mão. Dançaram, conversaram e agora beijavam.

Seu coração acelerava. Chegou a sentir medo de um ataque cardíaco. Os seus amigos não iriam acreditar. Estava ansioso para poder contar.

Ela cortou o beijo. Ele ficou sem reação, não sabia o que falar ou dizer. Convidou-a para ir até uma mesa. Ficaram conversando por um bom tempo.

De pouco em pouco o salão se esvaziava. Uma amiga dela veio até eles:

- Vamos embora.

- Que horas são?

- Já são quase 5h30.

- Nossa, tá tarde. Vai indo que eu já vou.

Beijaram-se mais um pouco. Não trocaram telefone ou nada de muito pessoal, talvez por vergonha ou falta de iniciativa. Mas marcaram de se encontrar ali na próxima semana.

Ele foi em direção à porta como um vencedor. Orgulhoso. Peito estufado. Empolgado. Sorridente. Lá fora o dia já começava a escurecer.

Sua filha já o aguardava na porta quando saiu do baile da terceira idade.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A porta

São quase 4h e ainda preciso escovar os dentes e mijar antes de dormir. Que preguiça. Nessas horas queria muito morar em uma das suítes da república/ pousada/ sei lá o quê.

Tenho que passar por aquele corredor. A república não é uma construção fechada. O meu quarto é o último da galeria que desemboca na sacada. Ali é mole de qualquer um subir. Encontrar alguém pelo caminho pode ser muita sorte ou muito azar.

Do lado esquerdo passo por quatro quartos, do direito tem uma suíte à minha frente e depois a escada, que é o ponto mais escuro do corredor obscuro. Se tiver alguém ali nem vejo. Prefiro passar rápido e nem olhar.

O banheiro que uso é o segundo depois da escada, mas tá entupido há mais de duas semanas e a administração não faz porra nenhuma. Assim, uso o primeiro, que é de “propriedade” de uma guria que nunca vi, mas sei que é uma xarope.

Na verdade não vi muita gente. Nesse tempo que moro aqui só conheço o Tavares, um cara com cabelo branco que deve ter uns 40 anos. Gente fina o Tavares.

E tem também a Bahiana. Bahiana chata do caralho. Tenho raiva dela de tão chata que é. Quando ouço sua voz me seguro para não ir ao banheiro e arriscar encontrá-la. Não é coisa de curitibano, é? Se for também foda-se. O que importa é não arriscar encontrá-la.

Escovo os dentes e urino. Volto para o quarto. Desligo minha companhia e acendo outra, o computador e o cigarro, o último pré-nupcial.

Deixo o “cinzeiro” (uma lata de batata Stax) ao lado da cama. Termino de fumar e durmo. To pregado. Mal fecho os olhos e já começo a sonhar.

Sonho o que passei há pouco: o simples fato de ir ao banheiro, mas a volta não é tão tranqüila como quando estava acordado.

Quando vou fechar a porta uma mão me impede. Estou atrás da porta e alguém a empurra com força querendo entrar. Não consigo ver quem é, o rosto parece embaçado.

Continuamos nosso cabo de força inverso. Tento empurrar com os pés, mas não adianta. Empurro com toda a força...

Acordo.

Estou com a respiração ofegante, como se estivesse realmente empurrando a porta. Depois do susto resolvo me certificar de que a porta estava trancada.

Não estava.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Os mundos

Curitiba, 4 de Julho de 2011. 22h. 4°.

A neblina que toma conta da cidade a torna um cenário parecido com o acampamento Crystal Lake.

Embaixo de uma marquise na Marechal Floriano, entre a André de Barros e a Visconde, um rapaz tenta dormir cobrindo-se apenas com uma manta. Não tem nome, não tem identidade. É apenas um número para a Fundação de Ação Social. Na rua é conhecido como Pézão.

Um jovem passa por ali rumo ao ponto de ônibus. Veste-se com três blusas e ainda assim sente frio. Ao passar por pézão inexplicavelmente sente ainda mais frio, mas não exterior. Ao chegar na esquina ele retorna. Tira uma das blusas, acorda o morador de rua e diz: “Tomaí brother, cê precisa mais que eu”. Pézão apenas balbucia um obrigado.

O mundo de Pézão mudou. Tornou-se menos frio.

Na maternidade Nossa Senhora de Fátima, após três horas de trabalho de parto, uma menina suja sai do meio das pernas de Amanda, que com um ar de alívio dá um largo sorriso ao olhar a garota. O pai abraça com força o sogro. A criança chora e a mãe vê.

O mundo de Maria começou.

Com um quarto de século Alessandro Albergoni, filho de Valdo Albergoni e Rosa de Souza se tornou uma vítima do tráfico.

O mundo de Alessandro acabou.

E o mundo continuou o mesmo para o resto do mundo.

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Novidades:
Neste mês de Festas Juninas atrasadas tive a honra de ser um dos colaboradores do Jornal Relevo. Confiram o Jornal na íntegra no endereço

http://letrasnumcanto.com.br/2011/07/relevo-11-integra/