quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Ana Maria Braga

Todo dia traz consigo uma batalha da qual não consigo fugir.

Às 8h o despertador começa a trabalhar e segue manhã adentro tentando cumprir seu objetivo. Dedicado, mais do que eu, nem recebe hora extra.

Minha vó se junta a ele. Leva seus 91 anos para baixo e para cima da escada. Traz café.

Eu, com 31, não tenho um terço da sua disposição física e mental.

- Foi dormir tarde, Guylherme?

- Fui, vó!

Não é por isso.

É porque meu único desejo legítimo é ficar na cama para sempre.

Abro os olhos. Ligo a tevê. As notícias passam. Chico Pinheiro se despede. Quando a Ana Maria Braga cumprimenta o Louro José eu já deveria estar no trabalho. Não estou.

Ultimamente tenho estado sempre em lugar nenhum.

A Ana Maria Braga deve acordar bem cedo.
Li num livro que a Ana Maria Braga entrou em depressão porque não conseguia vencer o Chaves no Ibope.

Agora ela parece bem. Tem um sorriso bonito.

Uma amiga falava que eu também tinha.

Não tenho mais.

Alguns dentes entortaram por causa do siso. Outros lasquei caindo de bêbado. Teve também aquela vez que tentei separar uma briga e acabei com um dente separado do corpo.

O café e o cigarro fizeram com que eles escurecessem.

O cigarro, aliás, servia de estímulo para que eu levantasse.

“Se você levantar, pode fumar um cigarro antes de tomar banho!”.

Agora parei.

Da última vez engordei 10 quilos e depois voltei.

Fiquei gordo e continuei com o pulmão fodido.

A Ana Maria Braga teve câncer e voltou a fumar.

E ela nem tosse quando dá risada.

Eu, que sou asmático, preciso parar.

E também preciso de algum outro estímulo para levantar.

Só viver já não basta mais.

Além disso, não quero tomar banho. Nem escovar os dentes. Nem trabalhar.

É irônico. O rapaz que era otimista, idealista, que um dia quis mudar o mundo, não consegue nem levantar da cama.

Não mudei de lado, mas talvez tenha me entregado.

Eles venceram.

Como se eu já não soubesse que isso iria acontecer.

Foda-se.

Hoje sou alheio a tudo.

E quero ficar na cama.

Piadoca da internet: “Sempre que eu tenho um problema, eu me pergunto: ‘O que Jesus faria?’. Aí eu me finjo de morto e desapareço por 3 dias”.

Acho engraçada.

Me leva a pensar o que os meus heróis fariam?

Mas...

Quem são meus heróis, mesmo?

Talvez o Batman seja mesmo meu paladino. Talvez eu me abrace na ficção para não precisar encarar a realidade.

No filme ele fica um tempão apartado em uma área da mansão Wayne.

O Batman não precisa trabalhar.

Filho da puta.

A minha identificação com o Wolverine talvez seja maior. Ele trabalha.

É um lenhador.

Sinto inveja dele.

Corta toras sem precisar pensar, sem pesquisar, sem escrever.

Noutro filme desses de herói ele se isola em uma caverna até que o mundo vai lá e desisola ele.

Mundo filho da puta.

Eu não consigo me isolar. O mundo está sempre me incomodando e eu me sinto um incômodo pra ele.

Na tevê apareceu a estória de uma moça que aprendeu a fazer uma peça de artesanato no Mais Você. Hoje ela foi participar de um encontro internacional de artistas graças à Ana Maria Braga.

Deu vontade de chorar.

Quase tudo dá vontade de chorar.

Fica um negócio ruim na garganta que não sai nunca. Um aperto.

Quando eu fumava, esse negócio até saia, às vezes. Eu engolia o negócio junto com a fumaça e depois jogava pra fora.

Deve ser por isso que a Ana Maria Braga fuma.

Talvez a Ana Maria Braga seja minha verdadeira heroína. Ela superou a depressão, o câncer e conversa com um papagaio.

Além disso, a Ana Maria Braga conseguiu me fazer levantar.

Hoje.

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