quinta-feira, 1 de março de 2012

Ligações

...desligou. Como se desligando fosse adiantar. Desligou por que percebeu que poderia ser verdade. Com a ilusão de que desligando a verdade se tornasse mentira. Desligou como quem bebe para esquecer-se dos problemas, que retornam acompanhados de ressaca.

Apoiou os cotovelos sobre a mesa e se pôs a raciocinar. Seria mesmo possível? Anos de confiança e amizade se foram em 30 segundos. Era possível!

Ligou os pontos de uma maneira tão simples quanto um jogo de crianças feito por um adulto. Mas até então não tinha visto os pontos.

A mulher estava sempre arrumada e também cansada. Não dava mais detalhes e nem desandava a falar como foi seu dia. Não o procurava mais e quando procurada fazia-se foragida.

Marques visitava cada vez mais a sua casa. Ficava cada vez menos no escritório. Tinha um tratamento dentário que nunca terminava. Quando ia à sua casa conversava mais com a mulher do que com o próprio Pita.


Depois que desligou o telefone desconectou-se do mundo. Ligou o automático. Calmamente saiu do trabalho. Os pontos já estavam ligados, mas precisava ir até o final para conferir a resposta.

Não teve pressa. Pegou o carro e foi. Lento, o trânsito não o preocupava. Seguia hipnotizado. Possuía uma arma, mas jamais pensou utilizá-la. Era uma herança. Iria entregá-la na campanha do desarmamento, mas acabou ficando. Poderia ser útil qualquer dia nos dias atuais. Colocou-a do lado da porta com naturalidade, como se depositasse ali um molho de chaves.


Não colocou o som no carro. Acendeu um cigarro e nem fumou. Só percebeu quando estava no final. Mesmo com o raciocínio já concluído, ficava religando os pontos. Religando, religando, religando.

BÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ...

Uma longa e alta buzina o desperta. Olha para o autor do despertar e percebe que o estava fechando.

“Mas é um corno mesmo!” grita o fechado.

Ele atira e o tira do mundo. Desliga-o.

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