terça-feira, 27 de maio de 2008

Será o Geraldão?

Andando pela Kennedy paro no sinaleiro com a Alferes Poli. Sou o primeiro a parar ao lado esquerdo, mas logo para outro no lado direito. Olho e grito baixo: “é o Geraldão!”. Ah, aquele foi um dos melhores professores que já tive, tanto na questão profissional quanto pessoal. O cara é muito gente boa. Parceirasso.
Não sei por que, mas não falo nada. Olho pra ele e ele pra mim. Fico na dúvida se é mesmo o Geraldão, bate uma insegurança. Não falo nada esperando que ele me aborde. Dúvida.
Enquanto minha namorada me olha resolvo olhar pra ela também. O cara se curva para me olhar. Penso: “Meu, é o cara!”, mas não falo nada.
Ele está com os lábios curvados para dentro da boca, mordendo-os, o que dificulta na identificação.
Está de bigode. O Geraldo às vezes usava bigode, mas geralmente estava de “cara limpa”.
Continuo olhando, ele também. Ninguém fala nada. De repente:
- Não sou eu né?
- Não.
Gargalhamos. Os dois. Abriu o sinal e fomos embora, sorridentes, mesmo que as pessoas de trás já tivessem buzinado.
Não era o Geraldo, mas valeu a risada. Depois disso, minha namorada comenta: “ele não deve ser curitibano né?”, respondo “provavelmente não”. É, o Geraldo também não era.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Corpo na Neblina

Seu Ademir tava animado pro trabalho. Saiu cedinho aquele dia, como todos os dias. Apesar do frio não teve vontade de ficar mais tempo na cama. Às 5 horas abriu a porta, fez o sinal da cruz e saiu confiante, mesmo sem ver um palmo a sua frente. Ademir não sabia, mas dali 5 minutos iria fazer o sinal da cruz novamente.
O caminho de seu Ademir era sempre o mesmo. Devido à neblina intensa foi andando um pouco devagar, pensativo. O pensamento foi interrompido pelo barulho do ônibus, que deveria pegar. Começou a correr em direção ao ponto, mas logo no início da corrida tropeçou em algo. Caiu e olhou o que era. Uma pessoa deitada. Olhou melhor e viu um rombo no peito daquele em quem havia tropeçado. Assustou-se, fez o sinal da cruz, levantou e continuou correndo, agora com dois objetivos: pegar o ônibus e fugir do corpo.
Depois de seu Ademir, dona Alzira passou pela esquina também. Viu que tinha alguém ali. “Uma neblina dessas e esses mininu dormindo na rua. Essis drogado num tem jeitu mesmo”, pensou Alzira.
O terceiro a passar por lá foi o tristonho Fábio. Olhando pro chão, quando viu já estava em cima do corpo. Ficou cerca de um minuto refletindo a cerca do corpo. Desviou e continuou o seu caminho.
A neblina ia baixando, e cada vez mais pessoas observavam o corpo. Alguns passavam sem parar, os curiosos nem foram trabalhar só pra ficar olhando. Com o tempo foi se formando um aglomerado de curiosos. Quando tinham cerca de cinco pessoas em volta chegou alguém dizendo: “É o Gabriel!”. Todos da roda olharam para Edson, que continuou: “É o Gabriel, o filho da dona Vicentina”.
Gabriel era um menino exemplar, que dava orgulho pra dona Vicentina. Estudante e trabalhador sempre saia cedo e chegava tarde. Dedicado. Não faria mal a ninguém. Por que era ele o corpo?
Quanto mais pessoas mais dúvidas e afirmações surgiam. “Será que ele tava enrolado?”, “Tava na cara que era drogado!”, “Tava devendo?”, “Não podia ser tão bonzinho assim.”.
Dona Maria trouxe o lençol branco, que no meio ficou manchado de vermelho. A mãe estava trabalhando e só ficou sabendo pela noite. Ninguém quis ligar para dar a má notícia.
Quase meio-dia o IML chegou. O sol já tinha secado o sangue. A neblina tinha ido embora. Quando o rabecão levou o corpo ficou um pedaço de papel na grama:
“Desculpe. Matamos o cara errado”.